Qual a importância do caso Simelane?
[…] O caso Simelane representa julgado emblemático da África do Sul quanto à obrigatoriedade de que a prerrogativa do Chefe do Poder Executivo de nomear autoridades em relação às quais se exige(m) idoneidade moral ou requisito(s) análogo(s) seja levada a cabo por meio de procedimento dotado de racionalidade, no qual o mandatário, antes de adotar a decisão principal e final, considere eventuais e pertinentes alegações a propalarem dúvidas fundadas (à primeira vista, plausíveis, no plano fático-jurídico) acerca das incolumidades moral e funcional do candidato, sob pena do ato nomeatório ser desconstituído pela via judicial, para que o procedimento seja refeito, mediante a manifesta apreciação, na esfera governamental, de fatos ou fatores relevantes que foram ignorados ou minimizados. Como substrato, radica a discussão em torno da incidência e da aplicabilidade de princípios e institutos do Direito Administrativo no controle judicial de atos do Poder Executivo atinentes à função político-governamental.
No acórdão (§ 95, nº 3) de Democratic Alliance v President of South Africa and Others[1], de 5 de outubro de 2012, a Corte Constitucional da África do Sul[2], capitaneada pelo voto do então Acting Deputy Chief Justice, Zak Yacoob[3], ratificou o aresto (§ 124, nº 2, alínea a) da Suprema Corte de Apelação[4] de 1 de dezembro de 2011, que declarara inconsistente com a Constituição de 1996 e inválida[5] a nomeação do advogado Menzi Simelane, em 25 de novembro de 2009, pelo Presidente da República[6], Jacob Gedleyihlekisa Zuma, para o exercício do mandato decenal[7] de Diretor Nacional de Persecuções Públicas, à vista da ausência de conexão racional entre a finalidade legítima de nomeação de candidato adequado às “qualificações” legais do cargo e o procedimento da cúpula do Governo de desconsiderar questionamentos importantes e dúvidas fundadas (suscitadas por órgãos de controle e investigação do Executivo Nacional) sobre as integridades moral e funcional de Simelane.
[1] Numeração oficial: Democratic Alliance v President of South Africa and Others (CCT 122/11) [2012] ZACC 24; 2012 (12) BCLR 1297 (CC); 2013 (1) SA 248 (CC) (5 October 2012) (ÁFRICA DO SUL, 2015d).
[2] Constitutional Court of South Africa (CCSA).
[3] À época, Zakeria Mohammed “Zak” Yacoob, oficiando como Vice-Chief Justice em exercício (Acting Deputy Chief Justice), adotava o nome judiciário Yacoob ADCJ (ÁFRICA DO SUL, 2015e).
[4] Supreme Court of Appeal (SCA).
[5] No Direito de matriz anglo-saxônica, não se reporta à anulação de ato administrativo pela via judicial, mas à sua invalidação pelo Poder Judiciário (“declaration of invalidity”).
[6] Fato ocorrido no primeiro mandato presidencial de Zuma (2009-2014) (SOUTH AFRICAN HISTORY ONLINE, 2015c).
[7] A Seção 12(1) da Lei da Autoridade Nacional Persecutória (National Prosecuting Authority Act 32 of 1998 ‒ NPAA), de 24 de junho de 1998, refere-se a 10 (dez) anos de “term of office”, a indicar que se cuida de mandato, evidência corroborada pela exigência legal de que a eventual destituição do Diretor Nacional de Persecuções Públicas (National Director of Public Prosecutions ‒ NDPP), autoridade máxima do Parquet sul-africano, sujeite-se ao controle posterior do Parlamento, que poderá impor a sua recondução ao Chefe do Executivo Nacional, mediante deliberação colegiada (inteligência da seção 6(b)(c)(d) da NPAA) (ÁFRICA DO SUL, 2015l). Govender afirma que o período decenal visa a assegurar a manutenção no cargo do Diretor Nacional de Persecuções Públicas, quando o titular da Autoridade Nacional Persecutória tiver de tomar decisões difíceis (GOVENDER, 2015b, p. 465). No Brasil, no que se refere ao Procurador-Geral da República (em que recai, mutatis mutandis, as atribuições de persecução penal levadas a cabo, na África do Sul, pelo Diretor Nacional de Persecuções Públicas), o art. 128, § 1º, da Constituição Federal de 1988 invoca, de modo expresso, o exercício de mandato, ainda que parcela da doutrina pátria, capitaneada por José Afonso da Silva e Hugo Nigro Mazzilli, ressalve consistir, em verdade, no desempenho de investidura a tempo certo, já que o Procurador-Geral da República, o Procurador-Geral do Trabalho, o Procurador-Geral da Justiça Militar e os Procuradores-Gerais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, segundo esse entendimento doutrinal, não representam seus eleitores: a eleição do respectivo Chefe do Ministério Público seria apenas um componente do ato complexo de sua nomeação (AFONSO DA SILVA, 2005, p. 599-600; AFONSO DA SILVA, 2009, p. 598; MAZZILLI, 2007, p. 168-170; MAZZILLI, 2015, p. 57-60). Em que pese, de plano, cogitar-se a similitude, grosso modo, entre as atribuições da Autoridade Nacional Persecutória e do Diretor Nacional de Persecuções Públicas, na África do Sul, e da Procuradoria-Geral da República e do Procurador-Geral da República, no Brasil, ressalva-se que a ANP e o DNPP se circunscrevem à persecução penal, haja vista que o amplo controle, de ofício ou por provocação, da Administração Pública e do Estado sul-africano, com foco na investigação de irregularidades administrativas, funcionais e governamentais (inclusive corrupção administrativa, desonestidade funcional, má gestão da res publica, enriquecimento ilícito e abuso de poder), repousa sobre a competência do Protetor Público (Public Protector), ao qual também se franqueia, no âmbito da sua discricionariedade, encetar a resolução de litígios administrativos via procedimentos extrajudiciais, tais quais a mediação, a conciliação e a negociação entre os litigantes e a orientação do interessado acerca das medidas cabíveis, conforme se infere mediante a interpretação conjunta das seções 179 e 182 da Constituição sul-africana de 1996, da seção 20 da indigitada Lei da Autoridade Nacional Persecutória e das seções 6 e 7 da Lei do Protetor Público (Public Protector Act 23 of 1994 – PPA), de 16 de novembro de 1994 (ÁFRICA DO SUL, 2015a; ÁFRICA DO SUL, 2015l; ÁFRICA DO SUL, 2015o). […]
Leia o artigo completo: O caso Simelane: o controle judicial dos atos de nomeação expedidos pelo Chefe do Poder Executivo, à luz do critério das considerações relevantes e do princípio da racionalidade.
Como citar a referência bibliográfica: FROTA, Hidemberg Alves da. O caso Simelane: o controle judicial dos atos de nomeação expedidos pelo Chefe do Poder Executivo, à luz do critério das considerações relevantes e do princípio da racionalidade. Revista Digital de Direito Administrativo, Ribeirão Preto (SP), v. 3, n. 2, p. 296-330, jul.-dez. 2016.
Nenhum comentário:
Postar um comentário