O Direito Administrativo Global deve ecoar o interesse geral da humanidade com base em princípios do Direito Público
“[…] De modo análogo à indispensável comunhão, no plano nacional, do Direito Administrativo Regulatório com o Direito Constitucional Principiológico — advogada por Tarzia […] —, mostrar-se-á imprescindível que o Direito Administrativo Global se harmonize com o Direito Constitucional Global. Consolidar o Direito Administrativo Global significará ombreá-lo nas vigas mestras do Direito Constitucional Global, cujo desenvolvimento, por conseguinte, também urge, conquanto em marcha mais lenta.
Não se concebe como publicista Direito Administrativo Global a entoar, parafraseando-se Ming-Sung Kuo, um constitucionalismo com “c” minúsculo (“small-c global constitutionalism”[…], é dizer, DAG orientado por conceitos de publicístico e de legitimidade delineados pelo interesse do restrito círculo de pessoas que possuem acesso privilegiado às esferas de tomada de decisão do espaço administrativo global, ditado, não pelo interesse geral da humanidade, mas por “códigos de conduta observados, em regimes regulatórios individualizados, por partes interessadas privilegiadas” […], em um panorama marcado pelo casuísmo, em que se confere primazia às práticas regulatórias de maior peso político no caso concreto […].
À semelhança do que acentua Kuo […], frisa-se: entender que o caráter público (publicness) do Direito Administrativo Global se extrai tão só das distintas práticas de cada regime regulatório implica esposar uma visão privatista (vulnerável ao predomínio do interesse dos grupos econômicos sobre o interesse geral da humanidade) e pós-pública de legitimidade, contrária à legitimidade democrática.
O interesse geral da humanidade transcende as aspirações dos atores e do público dos respectivos ambientes regulatórios, os quais, consoante resplende o constitucionalista tailandês, mais se parecem com clubes privados dedicados a questões específicas do que com comunidades propriamente públicas […]. À proporção que se globalizam, mais o Direito Administrativo e o Direito Constitucional necessitam se apoiar em uma legitimidade de viés cosmopolita […], a traduzir consenso da comunidade planetária de homens e mulheres autônomos e conscientes […].
O Direito Administrativo Global terá de escolher, de forma manifesta, sem subterfúgios argumentativos ou retóricos, entre a via privatista, em que preponderam regimes regulatórios fragmentados, e a senda publicista, em que os múltiplos regimes regulatórios, ainda que apresentem particularidades, sujeitam-se a marcos regulatórios unificados.
É insustentável, além de incoerente, o Direito Administrativo Global se propor a dar vazão ao interesse geral da humanidade e, em paralelo, permitir, por meio da demasiada assimetria normativa entre os variados regimes regulatórios, isto é, do excesso ― parafraseando-se José Luis Meilán Gil ― de setorialismo de um DAG a se construir […] (“El marcado sectorialismo de ese Derecho Administrativo global in fieri” […]), a prevalência de interesses segmentados de reguladores, de regulados e de terceiros na regência de regimes regulatórios, não apenas por ofuscar o interesse geral da humanidade como também por contribuir para que o espaço administrativo global propenda à influência dos grupos econômicos multinacionais e transnacionais, bem como das nações industrializadas e pós-industrializadas, em prejuízo da igualdade de armas (aspecto assinalado por Chesterman […]) e, em consequência, em detrimento da maioria dos povos e nações, desprovida de elevados poderes econômico, militar e político (o internacionalista indiano B.S. Chimini preocupa-se, a propósito, com o risco de cooptação do DAG pelos Estados nacionais de maior peso no tabuleiro das relações internacionais […]).
No Brasil, Luiz Fernando Coelho, embora entusiasta da ideologia do universalismo jurídico imanente à doutrina do Direito Comparado, como expressão de valores éticos, solidariedade e respeito à diversidade […], alerta para o perigo de retrocesso dos direitos sociais, provocado por normas jurídicas e políticas públicas a espelharem, na esfera global, sobretudo nos organismos multilaterais, a preponderância do interesse financeiro-mercantil […].”
Como citar a referência bibliográfica: FROTA, Hidemberg Alves da. A norma de reconhecimento e o caráter publicista do Direito Administrativo Global. In: MARRARA, Thiago (Org.). Direito Administrativo: transformações e tendências. São Paulo: Almedina, 2014. Parte II, p. 165-203. ISBN: 978-856-31-8265-4.
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