A vitimização secundária pela Justiça Criminal: os casos R V Wagar e Bárbara
“[…] No caso R v Wagar, as sentenças penais absolutórias prolatadas pela Corte Provincial de Alberta, na condição de primeira instância, no dia 9 de setembro de 2014, pelo então Juiz Robin B. Camp, e, depois, no novo julgamento pelo juízo a quo, em 31 de janeiro de 2017, pelo Juiz Chefe Assistente Jerry N. LeGrandeur, constituem exemplos patentes de provimentos jurisdicionais em sentido oposto ao preconizado pela Corte Constitucional da Colômbia, na Sentencia T-126/18, de 12 de abril de 2018, haja vista que a sentença de R. B. Camp se lastreou em estereótipos de gênero, e o então magistrado, ao inquirir a jurisdicionada, realizou indagações de caráter revitimizante, e, demais disso, as sentenças de Camp e, depois, de J. N. LeGrandeur, ao absolverem o réu, refutaram a credibilidade da suposta vítima como testemunha ocular do alegado crime de estupro.
Analisando-se o caso R v Wagar em cotejo com a literatura criminológica especializada em crimes sexuais e em vitimização secundária no seio do SJC, com ênfase a pesquisas bibliográficas e empíricas efetuadas na segunda metade da década de 2010, no Brasil e no estrangeiro (com destaque à América do Norte), atrás citadas, depreende-se que ainda ecoa no SJC uma mentalidade masculina tradicional, de fundo patriarcal, em que, de modo recorrente, o epicentro do discurso judicial e do debate forense se desvia, indevidamente, para a exposição da vida pregressa, da conduta moral e da intimidade familiar e sexual da suposta mulher vitimizada, associada ao recurso retórico do consentimento tácito e passivo daquela, o que fragiliza a centralidade que deveriam ter, isto sim, (a) a análise acerca do juízo de reprovação penal da conduta do alegado autor do fato, com a tônica na apuração da circunstância fática em si mesmo considerada, e não na avaliação da personalidade, do histórico existencial e do grau de virtuose moral dos possíveis agressor e vítima, conjugada com (b) o imprescindível exame da presença, ou não, de elementos probatórios a comprovarem ou a afastarem o consentimento sexual expresso, e não implícito, da eventual vítima.
Por outro lado, a Corte Constitucional da Colômbia, por meio da Sentencia T-126/18, proporciona balizas consistentes para que a Justiça Criminal se acautele contra a instrução probatória e a formulação de provimentos jurisdicionais a acarretarem a segunda vitimização das mulheres agredidas sexualmente.
Nessa ordem de ideias, a Justiça Criminal deve-se municiar das seguintes cautelas:
(a) evitar juízos de valor que façam referência à personalidade e/ou ao aspecto físico da suposta vítima de violência sexual;
(b) ao citar as partes dos depoimentos entendidas como pertinentes, cumpre fazê-lo de forma literal, ou seja, mediante citações textuais e apenas quanto aos excertos que guardem relação direta com o esclarecimento sobre a presença, ou não, naquela situação fática, dos elementos do tipo penal em análise;
(c) ademais, impende adscrever-se a construções frasais tão só descritivas e hipotéticas, em tom objetivo e respeitoso das declarações da suposta vítima, abstendo-se, tanto quanto possível, de frases afirmativas ou categóricas. […]”
Leia o artigo completo: A vitimização secundária pela Justiça Criminal: os casos R V Wagar e Bárbara.
Como citar a referência bibliográfica acima: FROTA, Hidemberg Alves da. A vitimização secundária pela Justiça Criminal: os casos R V Wagar e Bárbara. Revista de Doutrina Jurídica, Brasília, DF, v. 111, n. 2, p. 317-334, jul.-dez. 2020. Disponível em: https://revistajuridica.tjdft.jus.br/index.php/rdj/article/view/631. Acesso em: 26 nov. 2021.
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