Culpabilidade, proporcionalidade e necessidade concreta da pena
“[…] 1. Do ponto de vista da Teoria Geral do Direito Público, o princípio tridimensional da proporcionalidade assim se compõe:
1.1 Dimensão da adequação. Cogita-se o ato estatal, em dada situação, apto ao alcance ou ao fomento de determinada finalidade legal de interesse público.
1.2 Dimensão da necessidade. Dentre os atos estatais adequados, escolhe-se o menos ofensivo aos bens, interesses e direitos sacrificados em certa circunstância.
1.3 Dimensão da proporcionalidade em sentido estrito. Avalia-se se, em dado contexto, os benefícios aos bens, interesses e direitos priorizados superam os efeitos nocivos sobre os bens, interesses e direitos lícitos preteridos.
2 Ao orientar o julgador acerca da necessidade concreta da pena, as dimensões da proporcionalidade adquirem tonalidades peculiares à ambiência da dogmática penal, matizando a apreciação da culpabilidade (dimensão da adequação) com o posterior exame da indispensabilidade preventiva da pena (dimensão da necessidade) e, em seguida, com a análise da relação custo-benefício, por meio do contraste entre os efeitos positivos e negativos da imposição da pena (dimensão da proporcionalidade em sentido estrito).
3 Em sede do estudo da necessidade concreta da pena, a dimensão da adequação expressa o juízo de reprovação penal na ótica da culpabilidade finalista, presente quando incide sobre autor de fato típico e antijurídico, em razão dessa pessoa (um imputável), por meio de conduta omissiva ou comissiva, ter optado contrariar o Direito, quando podia e devia respeitá-lo e o respeitaria, se houvesse agido de forma distinta e ajustada à ordem jurídica. Ventríloquo do princípio da culpabilidade, a pedra de toque dessa formulação da dimensão da adequação reside na exigibilidade de conduta diversa e, por conseguinte, no poder-agir-de-outro-modo, considerados os parâmetros usualmente indicados pela experiência humana, conjugados com a análise do caso concreto, averiguando-se se havia condições cognoscíveis mínimas para o agente esboçar comportamento diferente e ajustado à ordem jurídica, o que significa, inclusive, atestar-se a presença de condições cognoscíveis mínimas para que o autor, à época, tivesse (e antes houvesse buscado obter) a consciência da ilicitude do fato, tendo-se por parâmetro a análise conjunta das peculiaridades do sujeito ativo do injusto, da situação com a qual deparou e das balizas da experiência social.
4 No âmbito do exame da necessidade concreta da pena, a dimensão da necessidade perscruta a indispensabilidade preventiva da sanção penal. Emoldurado pela medida da culpabilidade, o campo de incidência da prevenção geral positiva limitadora se delineia, tendo como máximo, o teto inexcedível da culpabilidade, e, como mínimo, o estritamente essencial ao resguardo de valores, bens e direitos fundamentais (não apenas de estatura constitucional como também de extrema relevância jurídico-penal) violados. Dentro de tais limites, ou seja, circunscrita às balizas da prevenção geral positiva limitadora, atua a prevenção especial, que definirá, por último, a medida da pena, devendo conferir preponderância à prevenção especial positiva (que deve se voltar à harmônica integração social do delinquente), salvo quando a ausência de perspectivas fundadas do potencial ressocializador da pena permitir apenas se ponderar quanto à indispensabilidade quer da intimidação do apenado, quer, em caso de pena de privativa de liberdade, de sua temporária retirada do convívio social. Reconhece-se que, dentre os plausíveis efeitos da aplicação da pena ao caso concreto, pode, de fato, haver efeito intimidativo geral, ainda que parcial.
5 Na análise acerca da necessidade concreta da pena, a dimensão da proporcionalidade stricto sensu insta o julgador a refletir se a aplicação da pena trará ou não à sociedade benefícios superiores aos malefícios a serem causados à integridade física, psíquica e moral do réu, em face da execução da sanção penal, máxime em se tratando de pena privativa de liberdade, considerando, neste caso, os eventuais custos dos setores público e privado com a manutenção do egresso no cárcere e com o seu retorno ao seio da coletividade e, por outro lado, o impacto social da ausência de aplicação da pena de prisão. Ao sopesar os aspectos favoráveis e desfavoráveis da execução da sanção penal, o julgador deve conferir primazia (peso maior) à necessidade (ressaltada amiúde, pela jurisprudência penal portuguesa e pelo magistério de Jorge de Figueiredo Dias) de tutela dos bens jurídicos violados e de se estabilizarem, de forma contrafática, as expectativas da sociedade na vigência das normas jurídicas ofendidas, de modo que, respeitada a barreira intransponível da culpabilidade, a punição penal contenha (sirva de última barreira de contenção de) o ímpeto extraestatal (da sociedade, da vítima e dos afetos de sua alma) de praticar a vingança, de arrogar para si a incumbência de exercício arbitrário das próprias razões ou da autotutela. Não se deve ignorar, no caso concreto, a frequente necessidade, por vezes premente, de defender a ordem jurídica afrontada, máxime na atual sociedade brasileira, em que existe clamor popular acentuado pela atuação diligente do dever-poder punitivo do Estado, em meio à crença generalizada (por vezes, catalisada pela desinformação jurídica e sensacionalismo da mídia) de que predomina no País a impunidade — percepção coletiva (incentivada pelos “formadores de opinião”) a fomentar e legitimar, socialmente, os procedimentos ilícitos de repressão à criminalidade (a exemplo de milícias, de “esquadrões da morte”, de “matadores de aluguel” e do porte de armas por empresários e profissionais liberais), os quais acabam por galvanizar o fator criminógeno do caldo cultural das metrópoles brasileiras, um movimento de retroalimentação da violência. Em todo caso — cabe enfatizar —, denota-se inultrapassável a muralha da culpabilidade.
6 Embora, na atualidade, afigure-se de difícil aplicabilidade parcela considerável das reflexões fomentadas neste trabalho monográfico, as questões versadas e as balizas planteadas prenunciam desafios com os quais os cientistas do Direito Penal, os legisladores, a magistratura e a sociedade em geral terão de enfrentar, à medida que a evolução planetária em torno da humanização de valores, paradigmas e expectativas sociais exigirem novos olhares, questionamentos e formulações relativas à necessidade concreta da pena, movimento de renovação e reciclagem com o qual se buscou contribuir, por meio das achegas atrás lançadas. […]”
Trata-se das conclusões da versão revisada em 2010 de artigo jurídico de nossa autoria originalmente publicado na segunda metade da década passada.
Veja aqui a revisão revisada do referido artigo jurídico.
Como citar a referência bibliográfica dessa redação revisada e ampliada: FROTA, Hidemberg Alves da. A necessidade concreta da pena, à luz do princípio tridimensional da proporcionalidade. Revista Jus Navigandi, Teresina, v. 16, n.º 3.050, 7 nov. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20384. Acesso em: 25 fev. 2019.
Veja aqui a versão original de tal artigo jurídico.
Como citar a referência bibliográfica da versão original: FROTA, Hidemberg Alves da. A necessidade concreta da pena, à luz do princípio tridimensional da proporcionalidade. Anuario de Derecho Constitucional Latinoamericano, Montevideo, v. 14, n. 1, p. 243-281, ene.-dic. 2008.
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