Indefinições e desafios no Direito Administrativo Global: o controle do espaço administrativo global se conjuga com o constitucionalismo global
“[…] Quanto maior a indefinição do conteúdo essencial das normas principiológicas do DAG e maior a margem de liberdade para cada entidade ou órgão regulatório definir, a seu talante, os princípios ínsitos ao seu regime jurídico, mais vulnerável estará o DAG à crítica de que se trata de verdadeiro jusnaturalismo […] — alcunhado por Alexander Somek, da Faculdade de Direito da Universidade de Iowa (University of Iowa College of Law) […], de Direito Administrativo Natural (Natural Administrative Law — NAL) […] —, que fomentaria o arbítrio, ainda que de modo não intencional, conferindo um “cheque em branco” ao organismo regulador, “uma carta branca” (carte blanche) […] dissimulada de positivismo hartiano […], a ocasionar contínua incerteza jurídica e desigualdade de tratamento no espaço administrativo global.
Conquanto plausível a propensão do espaço administrativo global a agasalhar uma arquitetura heterohierárquica de controle […], sob o pálio de um Direito Administrativo Multidimensional […], concernente a uma tessitura em que as relações jurídicas se articulam em rede jurídica […], sob a égide de pluralidade sistêmica […] (pluralidade de fontes […] e sistemas jurídicos, assim como de instâncias de resolução de conflitos situadas fora do território da respectiva ordem jurídica interna […]), a opção do Direito Administrativo Global por uma estrutura principiológica […] (esculpida por princípios publicistas […] e pelos direitos humanos […]) tendente à universalização […], com o anseio de abranger (e de expressar os interesses gerais de) toda a humanidade […], torna imperativa a densificação doutrinária e a uniformização normativa, inclusive com as achegas jurisprudenciais, de seus princípios reitores.
A necessidade de proporcionar coeficientes aceitáveis de segurança jurídica, de isonomia e de legitimidade no espaço administrativo global — demandas postergáveis, em face de questões circunstanciais ou conjunturais (influenciadas, ad exemplum, por fatores políticos, culturais e socioeconômicos), porém de inevitável enfrentamento — importa a mitigação paulatina da heterohierarquia, da multidimensionalidade e do pluralismo sistêmico, em prol de que se compatibilizem essas facetas do Direito Administrativo Global com a construção de suas pilastras principiológicas comuns, ancoradas em padrões democráticos, irmanados com o constitucionalismo global, sob pena de a evolução do Direito Administrativo Global atingir ponto de estrangulamento, ao assumir uma pretensão de alcance global sem, todavia, lidar com este ônus da universalidade em meio à diversidade (parafraseando-se a célebre frase de Swami Vivekananda […]): conciliar o pluralismo seja de fontes e sistemas jurídicos, seja de órgãos e entidades de controle de âmbito planetário, com exigências mínimas de uniformidade normativa mundial.
O desafio reside em modelar — sem desnaturar as suas peculiaridades — cada regime regulatório global, à luz do interesse geral da humanidade, e não permitir que sejam apenas o reflexo das aspirações dos reguladores e regulados diretamente (e terceiros indiretamente) envolvidos com a correspondente atividade regulatória.
Para que essa finalidade seja alcançada, mostra-se inafastável o projeto de longo prazo de refundação da ordem mundial esteada no constitucionalismo global, e não apenas o gradual aperfeiçoamento do controle da atividade regulatória global.
Há de se reconhecer que, consoante enfatiza Carlos Ari Sundfeld, a “permanência do direito administrativo depende […] da efetividade do controle do tipo jurisdicional” […]. Mas a longevidade do Direito Administrativo, incluindo-se a do Direito Administrativo Global, não depende tão somente disso. Conforme sobressai Simon Chesterman, o controle jurídico não colmata o déficit democrático, mormente no plano das relações internacionais e transnacionais, em que predomina, segundo se infere do magistério daquele Professor Associado da Universidade Nacional de Cingapura […] (National University of Singapore — NUS), a participação dos grupos de pressão […] situados no extremo de cada espectro temático (em harmonia, portanto, com uma corrente de pensamento de tendência sectária, no sentido de estar distanciada de uma voz mais moderada ou mais representativa de toda a humanidade) […].”
Como citar a referência bibliográfica: FROTA, Hidemberg Alves da. A norma de reconhecimento e o caráter publicista do Direito Administrativo Global. In: MARRARA, Thiago (Org.). Direito Administrativo: transformações e tendências. São Paulo: Almedina, 2014. Parte II, p. 165-203. ISBN: 978-856-31-8265-4.
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