sábado, 27 de novembro de 2021

 

A evolução do Direito Administrativo da China

“[…] A baixa influência do Direito Constitucional, do Direito Legislado e do Poder Judiciário na evolução do Direito Administrativo chinês

Ainda que repouse no cume da pirâmide normativa do ordenamento jurídico chinês a Constituição, os Tribunais Populares, inclusive o Supremo Tribunal Popular, ressentem-se de manifesta regra de competência que lhes respalde o exercício do controle de constitucionalidade, atribuição que o Direito Positivo confere, explicitamente, tão só à Assembleia Nacional Popular e ao seu Comitê Permanente (CHINA, 2015a; CHINA, 2015b; CHINA, 2015i; FANG, 2015, p. 913, HAND, 2015, p. 62).

À Assembleia Nacional Popular, em sua composição plenária, cabe, entre outras atribuições, (1) supervisionar a aplicação da Constituição, bem como (3) reformar ou anular leis que, editadas pelo seu Comitê Permanente, forem consideradas, pela ANP, inadequadas, (4) além de anular os nominados regulamentos autônomos ou regulamentos separados que, embora chanceladas pelo seu Comitê Permanente, contrariem a Constituição ou violem as balizas legais destinadas à adaptação de leis e regulamentos administrativos às peculiaridades de determinadas nacionalidades chinesas (art. 62, §§ 2º e 15, da Constituição chinesa, c/c art. 88, § 1º, e art. 66, parágrafo único, ambos da Lei da Legislação da RPC) (CHINA, 2015a; CHINA, 2015b; CHINA, 2015i).

Já ao Comitê Permanente da Assembleia Nacional Popular, entre outras atribuições, incumbe (CHINA, 2015a; CHINA, 2015b; CHINA, 2015i; FANG, 2015, p. 913; HAND, 2015, p. 62):

  1. Efetuar o controle de constitucionalidade e de legalidade, por meio de procedimentos de anulação, (1) dos regulamentos administrativos, (2) das decisões e (3) das ordens do Conselho de Estado, na esteira do art. 67, § 7º, da Constituição.
  2. Anular regulamentos locais e decisões de órgãos estatais das Províncias, Regiões Autônomas e Municipalidades diretamente vinculadas ao Governo Central, quando contrárias não só à Constituição e às leis (emanadas, repisa-se, da ANP), como também aos regulamentos administrativos (baixados, lembre-se, pelo Conselho de Estado), nos termos do art. 67, § 8º, da Constituição, c/c art. 88, § 2º, da Lei da Legislação da RPC.
  3. Anular regulamentos autônomos ou separados que, apesar de aprovadas pelos respectivos Comitês Permanentes das Assembleias Locais Populares de Províncias, Regiões Autônomas e Municipalidades diretamente vinculadas ao Governo Central, contrariem a Constituição ou violem as balizas legais para a adaptação de leis e regulamentos administrativos às peculiaridades de determinadas nacionalidades chinesas, consoante reza o art. 88, § 1º, c/c art. 66, parágrafo único, ambos da Lei da Legislação da RPC.
  4. Fixar a interpretação oficial e definitiva da ordem jurídica […] e, portanto, da ordem constitucional, segundo preceitua o art. 67, §§ 1º e 4º, da Constituição, c/c art. 42, §§ 1º e 2º, art. 43 e art. 47 da Lei sobre a Legislação da RPC.

Em que pese a competência da Assembleia Nacional Popular e do seu Comitê Permanente de exercerem o controle abstrato de constitucionalidade e apesar da competência do Comitê Permanente de definir a interpretação jurídica do Estado chinês, o controle de constitucionalidade pelo Poder Legislativo é raramente exercido (CHINA, 2015i; FANG, 2015, p. 913; HAND, 2015, p. 62).

A inércia da Assembleia Nacional Popular e do seu Comitê Permanente, no tocante ao desempenho do controle concentrado de constitucionalidade, conjugada com a ainda (1) incipiente aplicação direta de direitos constitucionais pelo Poder Judiciário[7], (2) a carência de autonomia dos Tribunais Populares para o exercício independente do controle externo da Administração Pública, bem assim (3) a relutância dos magistrados de se desincumbirem desse aspecto da função jurisdicional do Poder Judiciário, (4) a deficitária formação técnico-jurídica dos magistrados e demais profissionais do Direito, (5) o reduzido conhecimento, por contingente significativo do povo chinês, dos seus direitos e (6) o temor reverencial, por parcela expressiva de administrados, das autoridades administrativas (uma espécie de transferência psicológica a estas dos papéis sociais de pais e mães), redunda na baixa efetividade do Direito Constitucional Positivo e na sua parca ressonância na modelação da legislação administrativista (FANG, 2015, p. 913; HAND, 2015, p. 62-72; PEERENBOOM, 2002, p. 9, 12, 17).

O aprimoramento do Direito Administrativo chinês vê-se prejudicado também pela ausência de controle judicial da razoabilidade do ato administrativo, em processos judiciais administrativistas, sob o pálio da Lei do Processo Administrativo (LPA), uma vez que o critério da razoabilidade é invocado apenas nas vias recursais administrativas redigidas pela Lei da Reconsideração Administrativa (LRA) (HE, 2015, p. 263).

Como empecilho ao aperfeiçoamento do Direito Administrativo da RPC, destaca-se, demais disso, a circunstância de que (1) a maioria dos litígios judiciais administrativistas concerne ao ataque a atos emanados de autoridades estatais de modesto relevo na estrutura organizacional da Administração Pública (“weak administrative authorities”) e, lado outro, (2) o fato das impugnações revestidas de controvérsias mais complexas e sensíveis, com maior repercussão geral, não chegarem às barras do Poder Judiciário (ao se limitarem, tais demandas, a tramitação no seio do Estado-Administração, atendo-se, por exemplo, aos lindes do sistema de reconsideração administrativa), em razão tanto do receio e desinteresse de magistrados de intervirem na atuação de órgãos e agências do Poder Executivo, quanto das limitações institucionais e políticas ao efetivo controle judicial da Administração Pública (HE, 2015, p. 267-268) […].

De outra banda, conquanto o Direito Legislado da Assembleia Nacional Popular prepondere, hierarquicamente, não apenas sobre os atos legislativos das Assembleias Locais Populares (regulamentos locais) e das Assembleias Populares de zonas ou áreas autônomas nacionais (regulamentos autônomos ou regulamentos separados), como também sobre os atos administrativos normativos do Conselho de Estado (regulamentos administrativos), dos ministérios centrais, comissões, agências e outras entidades vinculadas diretamente ao Conselho de Estado (regras ministeriais) e dos Governos Populares Locais (regras governamentais), as leis infraconstitucionais da ANP também evidenciam acanhada influência na modelação da legislação administrativista, devido (1) à quantidade considerável de cláusulas genéricas contidas em tais diplomas legislativos, (2) ao expressivo grau de delegação normativa pela ANP ao Conselho de Estado e (3) à reduzida atividade legiferante da ANP, que apenas se reúne, em sua composição plenária, durante duas semanas por ano […] (CHINA, 2015i; FANG, 2015, p. 913-914; LIU, 2015, p. 4; PEERENBOOM, 2002, p. 271).

De toda sorte, ao se comparar a evolução do Direito Administrativo Positivo da China contemporânea (ciclo inaugurado, no plano formal, com a alvorada da Constituição chinesa de 1982, marco das reformas políticas, institucionais, administrativas e jurídicas que iniciaram o período do burocratismo pragmático […]) com a fase inicial da República Popular da China (formalmente, durou de 1949 a 1982, assinalada pelo idealismo revolucionário, com destaque aos anos de 1949 a 1976), nota-se, na atualidade, maior prestígio ao Direito Legislado (FANG, 2013, p. 1-12, p. 102-159; PEERENBOOM, 2002, p. 7, 9, 12, 17).

De fato, durante o ciclo revolucionário (1949-1982), com apogeu na Era Mao Tsé-Tung (1949-1976), as bases normativas da Administração Pública chinesa residiam, mormente, nas diretrizes do Partido Comunista da China e nos atos administrativos normativos do Conselho de Estado (os precitados regulamentos administrativos), inclusive em regulamentos interna corporis desconhecidos da sociedade em geral (atos secretos, sem publicação na imprensa oficial ou qualquer outra forma de divulgação ao público), ao passo que, durante o ciclo do burocratismo pragmático (de 1982 aos dias atuais), os reflexos jurídicos das reformas políticas, institucionais e administrativas principiadas na primeira metade da década de 1980 ampliaram, de modo paulatino e significativo, o leque de leis formais a estatuírem mecanismos de controle do Estado-Administração[11], o que ocasionou o relativo aumento de demandas judiciais e administrativas de Direito Administrativo, apesar das resistências de ordem cultural, política e institucional, vigorosas ainda na atualidade (FANG, 2013, p. 1-12, p. 102-159; PEERENBOOM, 2002, p. 7, 9, 12, 17).

Todavia, a maior influência na gênese da legislação administrativista chinesa radica, até hoje, no Conselho de Estado, não só em virtude da sua intensa atuação normativa (por força da sua competência originária de cunho regulamentar e de atribuições normativas a ele delegadas pela Assembleia Nacional Popular, bem como da amplitude temática das suas regulamentações administrativas, a abarcarem a maioria das questões políticas, sociais e econômicas da China contemporânea), como também em decorrência de cerca de 70% das leis submetidas à apreciação da Assembleia Nacional Popular e do seu Comitê Permanente derivar de projetos de lei cuja iniciativa legislativa e elaboração couberam ao próprio Conselho de Estado (LIU, 2015b, p. 4).

A mitigada repercussão do Direito Legislado na legislação administrativa deve-se, também, ao usual descompasso entre as balizas legais nacionais e as regulamentações levadas a efeito por agências administrativas e órgãos governamentais locais (PEERENBOOM, 2002, p. 18).

Explica-se: ainda que as leis emanadas da Assembleia Nacional Popular, em sua composição plenária, e do seu Comitê Permanente estejam, muitas vezes, imbuídas de dispositivos de conteúdo genérico, por consequência da legítima finalidade de que sejam preservadas as especificidades regionais, a ausência de meios eficazes de controle da ampla margem discricionária na aplicação e na interpretação dos atos legislativos nacionais, pelos agentes governamentais e administrativos, ocasiona a frequente deturpação, por meio de atos regulamentares de agências administrativas e dos Governos Populares Locais, do sentido e do teor das normas legais de Direito Administrativo de alcance nacional, em benefício de interesses secundários, próprios de agências administrativas, de Governos Populares Locais e de autoridades estatais (PEERENBOOM, 2002, p. 18).” […]

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Leia o artigo completo: Facetas do direito administrativo chinês: a reforma de 2014 da lei do processo administrativo ― a justiça administrativa de segurança pública ― o sistema de cartas e visitas.

Como citar a referência bibliográfica: FROTA, Hidemberg Alves da. Facetas do direito administrativo chinês: a reforma de 2014 da lei do processo administrativo ― a justiça administrativa de segurança pública ― o sistema de cartas e visitas. Revista Digital De Direito Administrativo, Ribeirão Preto, v. 3, n. 1, p. 184-216, jan.-jun. 2016.

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