ITBI e as pessoas jurídicas inativas: os critérios da preponderância imobiliária e da finalidade constitucional (2)
Na óptica de Kiyoshi Harada, a 1.ª parte do inciso I do § 2.º do art. 156 da CF/88 “refere-se à imunidade autoaplicável” ou incondicionada, enquanto que a 2.ª parte do mesmo inciso “corresponde à imunidade condicionada”, levando em conta que, nesta segunda hipótese, “para a sua fruição o adquirente não poderá ter como atividade preponderante a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil” (HARADA, 2011, p. 90).
Similar conclusão elabora Guilherme Traple:
Após o fragmento de texto transcrito, temos uma vírgula e então o vocábulo “nem”. “Nem” é uma conjunção aditiva, a união da conjunção aditiva “e”, que exprime uma ideia de soma, com o advérbio de negação “não”. Portanto, gramaticalmente, não haverá alteração no sentido de substituirmos “nem” por “e não”.
Ou seja, o vocábulo “nem” divide o dispositivo legal, criando situações distintas.
Destacou-se também o termo “nesses casos”. “Nesses” é a contração da preposição “em”, sendo que as preposições exprimem a ideia de lugar, e do pronome demonstrativo “esse”, em sua forma plural, “esses”.
O termo “esses” é utilizado, no português culto, para retomar uma ideia já mencionada – é uma anáfora – está, necessariamente, ligada aos termos que o antecedem. Então, o vocábulo “nesses casos”, contido no texto legal limita o alcance do que da exceção que o sucede aos casos que o antecedem.
Retoma-se então o texto legal: e não incide “sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil”.
Como se pode ver, os casos que estão depois da conjunção aditiva “nem”, que, conforme dito anteriormente, separa o texto em duas hipóteses, e antecedem o vocábulo “nesses casos” são os casos de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, desta forma, a exceção à imunidade somente é aplicável nesses casos.
Assim, o ITBI não incide: (a) sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital; e (b) sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nos casos de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil.
Portanto, pela simples leitura do inciso I do parágrafo 2º do artigo 156 da CFRB/1988, pode-se concluir que a transmissão de bens ou direitos reais sobre bens imóveis à pessoa jurídica em realização de capital é absolutamente imune à cobrança [de] ITBI, não havendo qualquer exceção. (TRAPLE, 2012, p. 88-89).
Mencione-se, ainda, o posicionamento pessoal de Irineu Mariani (que, na atualidade, conforme anotado em nota de rodapé pretérita, curva-se, como Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, à corrente doutrinário-jurisprudencial majoritária, pela sujeição da realização de capital societário ao critério da preponderância):
Quisesse o inciso I do § 2º do art 156 se referir a todas as hipóteses nele mencionadas, inclusive a realização de capital social, não teria usado a expressão nesses casos após mencionar as hipóteses de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, explicitando que apenas nesses casos — entenda-se, casos de fusão, incorporação, cisão ou extinção — é que se considera a atividade preponderante. […] (RIO GRANDE DO SUL, 2017p, grifo do autor em negrito substituído por grifo em itálico)
Em sentido diverso se manifesta Roque Antonio Carrazza, para o qual as imunidades tanto da 1.ª parte quanto da 2.ª parte do inciso I do § 2.º do art. 156 da CF/88 “caem por terra se a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, a locação de bens imóveis ou o arrendamento mercantil (leasing imobiliário)” (CARRAZZA, 1996, p. 97-98, grifo do autor).
Carlos Eduardo Makoul Gasperin também subordina a imunidade quanto à realização de capital ao critério da preponderância:
Na parte final do dispositivo percebe-se que o constituinte determinou uma exceção à regra da imunidade e, por consequência, uma autorização à tributação que pode assim ser traduzida: “poderá haver a tributação pelo ITBI se os bens transmitidos em razão de integralização[1], realização de capital, cisão, fusão, incorporação, extinção destinarem-se a pessoas jurídicas cujas atividades preponderantes estejam ligadas ao ramo imobiliário”. (GASPERIN, 2014, p. 745, grifo nosso)
No campo da Gramática Normativa, Domingos Paschoal Cegalla esclarece que o pronome demonstrativo esse e essa “realçam o termo a que se referem, anteriormente expresso” (CEGALLA, 2008, p. 163).
Nesse sentido, Miriam Margarida Grisolia e Renata Carone Sborgia explicam que os pronomes demonstrativos esse, essa, esses, essas e isso “indicam algo que já foi dito anteriormente” (GRISOLIA; SBORGIA, 2007, p. 123).
Colaciona-se, nessa vereda, o magistério José Maria da Costa, ao aduzir que, “no interior da frase, isto, este e esta se referem ao que se vai dizer, enquanto isso, esse e essa se relacionam ao que já se disse” (COSTA, 2013, p. 604, grifo do autor).
Já os pronomes também demonstrativos aqueles e estes, ainda de acordo com Cegalla, servem para distinguir entre o que foi mencionado em primeiro lugar (aqueles) e o que foi citado por último (estes): “Quando estes pronomes ocorrem na mesma frase, este refere-se ao subst. mais próximo e aquele, ao mais afastado […]” (CEGALLA, 2008, p. 164, grifo do autor).
Em outros termos, afirma José Maria da Costa que, “no interior da frase, este se refere ao elemento anterior mais próximo; aquele, ao mais distante.” (COSTA, 2013, p. 604, grifo do autor)
Idêntica ensinança se extrai da obra de Celso Cunha e Lindley Cintra: “Quando queremos aludir, discriminadamente, a termos já mencionados, servimo-nos do demonstrativo aquele para o referido em primeiro lugar, e do demonstrativo este para o que foi nomeado por último.” (CUNHA; CINTRA, 2007, p. 334, grifo dos autores)
Tal ensinamento igualmente abraçam Grisolia e Sborgia: “Para retomar dois elementos anteriormente citados no texto, usa-se este para o elemento citado por último e aquele para o elemento citado primeiro.” (GRISOLIA; SBORGIA, 2007, p. 123, grifo das autoras com sublinhado substituído por itálico).
Sintetiza Jaci Santos de Souza, ao ensinar que este(a) e isto concernem “ao elemento mais próximo”, ao passo que aquele(a) e aquilo relacionam-se “ao elemento mais distante” (SOUZA, 2016, p. 47, grifo do autor).
Portanto, a expressão “nesses casos”, entalhada no inciso I do § 2.º do art. 156 da CF/88, refere-se a todos os casos anteriormente explicitados naquele inciso, sem diferenciá-los entre estes e aqueles, isto é, sem distinguir entre os casos da sua 1.ª parte (“transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital”) e da sua 2.ª parte (“transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica”) (BRASIL, 2017d).
Se houvesse o intento do legislador constitucional de firmar contraste entre a 1.ª e a 2.ª partes do inciso I do § 2.º do art. 156 da CF/88, a fim de excluir o critério da preponderância no tocante às hipóteses de realização de capital e restringi-lo às hipóteses de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, teria consignado “salvo se, nestes casos [e não nesses casos], a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda destes [e não desses] bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil”.
Por tais motivos, assiste razão ao voto condutor pronunciado pelo Desembargador-Relator Almir Porto da Rocha Filho, em 12 de abril de 2017, nos autos da Apelação Cível e Reexame Necessário n.º 70072970874, na 21.ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, ao frisar que a “expressão ‘nesses casos’, entre vírgulas, contempla as duas situações previstas no inciso” em referência (RIO GRANDE DO SUL, 2017s, grifo do autor em negrito substituído por grifo nosso em itálico).
Cuida-se, de toda sorte, de polêmica constitucional ainda não enfrentada pelo Supremo Tribunal Federal (MANGIERI; MELO, 2015, p. 114).
3.3 A ausência de razão idônea para tratamento diferenciado
Demais disso, ausenta-se razão idônea para tratamento constitucional diferenciado entre as transmissões de bens e direitos imobiliários efetuadas por meio de realização de capital e aquelas concretizadas via fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, já que todas são espécies de transmissões onerosas de cariz imobiliário.
[1] Em realidade, na contextura da norma imunizante em comento, mostra-se despiciendo invocar, como categoria autônoma, a integralização de capital, porque a expressão “realização de capital”, empregada pelo legislador constituinte, diz respeito à integralização de capital, conforme alumia Herbert Morgenstern Kugler, citado em passagem pretérita deste estudo (KUGLER, 2011, p. 210)." […]
Leia o artigo completo: A incidência de ITBI em relação a pessoas jurídicas inativas, à luz dos critérios da preponderância imobiliária e da finalidade constitucional.
Como citar a referência bibliográfica: FROTA, Hidemberg Alves da. A incidência de ITBI em relação a pessoas jurídicas inativas, à luz dos critérios da preponderância imobiliária e da finalidade constitucional. Âmbito Jurídico, Rio Grande, v. 20, n. 167, dez. 2017. Também publicado em Revista Síntese Direito Imobiliário, São Paulo, v. 8, n. 48, p. 97-135, nov.-dez. 2018.
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