sábado, 27 de novembro de 2021

 

A universalidade dos direitos humanos no mundo muçulmano

“[…] Resumo: Este trabalho se debruça sobre polêmicas hodiernas concernentes aos direitos humanos no mundo islamita, identificando-se, antes, parâmetros elementares sobre o Direito muçulmano. Neste artigo, averígua-se tanto a repercussão na comunidade islâmica da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, quanto a Declaração do Cairo sobre os Direitos Humanos no Islã de 1990. Medita-se, ainda, acerca da liberdade religiosa nos Estados de maioria muçulmana e se indaga se o federalismo comunitário representaria meio de se aprimorar a deferência aos direitos humanos em países de maioria islâmica onde grassam conflitos étnico-religiosos. […]”

Leia o artigo completo: A universalidade dos direitos humanos no mundo muçulmano.

Como citar a referência bibliográfica: A universalidade dos direitos humanos no mundo muçulmano. Anuario Mexicano de Derecho Internacional, México, D.F., v. 6, n. 1, p. 63-88, ene.-dic. 2006. Disponível em: https://revistas.juridicas.unam.mx/index.php/derecho-internacional/article/view/150/237. Acesso em: 27 nov. 2021.

 

Motivação do ato de nomeação de agentes políticos, em caso de indícios fundados de déficit de idoneidade moral e reputação ilibada

Leia o artigo completo: Motivação do ato de nomeação de agentes políticos, em caso de indícios fundados de déficit de idoneidade moral e reputação ilibada.

Como citar a referência bibliográfica: FROTA, Hidemberg Alves da. A motivação dos atos de nomeação de agentes políticos, em caso de indícios fundados de déficit de idoneidade moral e reputação ilibada. Revista Jurídica UNIGRAN, Dourados, v. 18, n.º 35, p. 113-137, jan.-jun. 2016. Disponível em: https://www.unigran.br/dourados/revista_juridica/ed_anteriores/35/artigos/artigo07.php. Acesso em: 27 nov. 2021.

 

“Actio libera in causa” e Código Penal espanhol


actio libera in causa no Código Penal espanhol de 1995: breves considerações[1]

Hidemberg Alves da Frota


 

No decenário[2] (ano-base: 2005) do Novo Código Penal da Espanha merece ser lembrado o seu valioso contributo à plena positivação e revitalização da actio libera in causa no ordenamento jurídico espanhol, fenômeno decorrente de mazela social universal e atualíssima: o galopante aumento — alerta Maria Del Mar Díaz Pita — da execução de delitos alusivos “ao consumo e tráficos de drogas”[3] e, por conseguinte, o desafio conferido à Justiça Criminal de “valorar acertadamente”[4] os “estados de intoxicação e abstinência”[5] relacionados ao uso de tóxicos.

O art. 20.2º do Código Penal espanhol, a Lei Orgânica nº 10/1995, de 23 de novembro — CP/95[6], isenta de responsabilidade criminal quem executa delito estando intoxicado por completo, em decorrência do consumo de substâncias produtoras de tal estado: bebidas alcoólicas, drogas tóxicas, estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou outras de efeito análogo.

Para tanto, necessário o agente contemplar algum destes três requisitos: (1) ter se intoxicado sem a intenção de cometer o ilícito penal; (2) ter se intoxicado sem prever ou sem ter condições de antever o advento da infração penal; (3) ter se intoxicado sob a influência da síndrome de abstinência, deflagrada pelas mencionadas substâncias tóxicas, o que o impediu de compreender a ilicitude do fato típico praticado ou de atuar conforme essa compreensão.

Artículo 20.

Están exentos de responsabilidad criminal:

[…]

2º) El que al tiempo de cometer la infracción penal se halle en estado de intoxicación plena por el consumo de bebidas alcohólicas, drogas tóxicas, estupefacientes, sustancias psicotrópicas u otras que produzcan efectos análogos, siempre que no haya sido buscado con el propósito de cometerla o no se hubiese previsto o debido prever su comisión, o se halle bajo la influencia de un síndrome de abstinencia, a causa de su dependencia de tales sustancias, que le impida comprender la ilicitud del hecho o actuar conforme a esa comprensión.

[…]

Artigo 20.

São isentos de responsabilidade criminal:

[…]

2º) Quem, no momento de praticar a infração penal, encontra-se em estado de intoxicação plena por consumo de bebidas alcoólicas, drogas tóxicas, estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou outras que produzem efeitos análogos, sempre que não tenha sido buscado com o propósito de cometê-la ou não houvera previsto ou devia prever sua prática, ou esteja sob a influência de uma síndrome de abstinência, por causa de sua dependência de tais substâncias, que o impede de compreender a ilicitude do fato ou atuar conforme a essa compreensão.

[…]

Albergada pelo art. 20.2º do CP/95, a possibilidade de ingestão de bebidas alcoólicas encetar “estado de inconsciência apto a anular a capacidade de compreensão e de autodeterminação”[7] recebe de Francisco Assis de Toledo relevantes ponderações atinentes a infrações penais dolosas. Se, por um lado, frisa que o estado de inconsciência pleno estimulado pelo álcool, em geral, prostra o indivíduo e, em consequência, impossibilita “ações mais graves totalmente fora do domínio da vontade”[8], reconhece que, nos crimes dolosos omissivos. “os efeitos do estado letárgico”[9] podem ensejar a “inimputabilidade transitória”[10].

Apesar de acolher a apontada causa de exclusão de culpabilidade, o Código Penal espanhol de 1995, no parágrafo segundo do art. 20.1º, não exime de pena o agente que realiza o delito sob o efeito de transtorno metal transitório, se ele se pôs nesse estado alterado de consciência a fim de praticar o ilícito penal ou se, mesmo sem almejar executar o injusto penal, sabia do resultado ou a ele cabia prevê-lo.

Artículo 20.

Están exentos de responsabilidad criminal:

1º) […]

El trastorno mental transitorio no eximirá de pena cuando hubiese sido provocado por el sujeto con el propósito de cometer el delito o hubiera previsto o debido prever su comisión.

Artigo 20.

São isentos de responsabilidade criminal:

1º) […]

O transtorno metal transitório não eximirá de pena quando houver sido provocado pelo sujeito com o propósito de praticar o delito ou houvera previsto ou devia prever sua prática.

Assim, o parágrafo segundo do art. 20.1º do CP/95 consagra o que Narcélio de Queirós chama de conceito moderno de actio libera in causa:

São os casos em que alguém, no estado de não imputabilidade[11], é causador, por ação ou omissão, de algum resultado punível, tendo se colocado naquele estado, ou propositadamente, com a intenção de produzir o evento lesivo, ou sem essa intenção, mas tendo previsto a possibilidade do resultado, ou, ainda, quando a podia ou devia prever.[12]

actio libera in causa “tem por objeto situações de autoincapacitação temporária”[13] — explica Juarez Cirino dos Santos —, “nas quais o autor, no estado anterior de capacidade de culpabilidade, determina a cadeia causal do fato punível, realizado no estado posterior de incapacidade de culpabilidade”[14].

Trata-se de exceção na teoria do delito, cujas categorias usualmente “se referem ao momento da prática do fato”[15]. Em regra, verifica-se a culpabilidade do autor “ao momento da prática do fato”[16]. Já na actio libera in causa, “considera-se também imputável o sujeito que, no momento de praticar seus atos, não era imputável,”[17] — frisa Francisco Muñoz Conde — “mas o era no momento em que pensou cometê-los ou pôs em marcha o processo causal que desembocou na ação típica”[18].

A formulação do princípio da actio libera in causa calçado no CP/95 abrange hipóteses de dolo direto, dolo eventual, culpa consciente e culpa inconsciente, cujos conceitos restam didaticamente explicados por Antônio José Fabrício Leiria.

No dolo direito, o agente se intoxica “propositadamente para cometer um delito”[19], almejando executá-lo com mais desenvoltura ou se beneficiar de atenuante[20]. No dolo eventual, intoxica-se cônscio da possibilidade de praticar ilícito penal “e, mesmo assim, torna-se indiferente ao surgimento ou não do fato, assumindo o risco de produzi-lo”[21]. Enquanto no dolo direto quer corporificar a infração penal cogitada, no dolo indireto não se importa em materializá-la.

Na culpa consciente, intoxica-se convicto de que a futura e previsível ocorrência do ilícito penal malogrará. Já na culpa inconsciente, intoxica-se porque sua imprudência, negligência ou imperícia o obstam de “prever o previsível”[22]. Em ambas as culpas, não se deseja concretizar o desdobramento danoso.

Consoante ensina Claus Roxin, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal alemão demonstra que os casos de actio libera in causa dolosa são poucos frequentes. Todavia, mostram-se habituais as circunstâncias em que “o autor se coloca em um estado de embriaguez”[23], embora experiências desagradáveis anteriores lhe permitissem prenunciar o risco desse estado alterado de consciência  acarretar “determinadas consequências ilícitas”[24].


[1] Versão original deste artigo: FROTA, Hidemberg Alves da.   A actio libera in causa no Código Penal espanhol de 1995. Gazeta Juris, Rio de Janeiro, n. 5, mai.-jun. 2006. CD-ROM; Juris Plenum, Caxias do Sul, v. 2, n. 99, mar. 2008. 2 CD-ROM. (Parte integrante da Revista Jurídica Juris Plenum — ISSN 1807-6017.) Revisado em 24 de dezembro de 2010. Também disponível na plataforma PDF.

[2] Artigo escrito em julho de 2005.

[3] PITA, Maria del Mar Díaz. Actio libera in causa, culpabilidad y Estado de Derecho. Valencia: Tirant lo Blanch, 2002, p. 17.

[4] Ibid., loc. cit.

[5] Ibid., loc. cit.

[6] ESPANHA. Código Penal (1995). Disponível em: http://2ni2.com/juridico/penal/codigopenal.htm. Acesso em: 30 jun. 2005.

[7] TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 326.

[8] Ibid., loc. cit.

[9] Ibid., p. 327.

[10] Ibid., loc. cit..

[11] Ortografia adaptada ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa assinado em 16 de novembro 1990, vigente, no Brasil, desde 1º de janeiro de 2009, por força do art. 2º, caput, do Decreto nº 6.583, de 29 de setembro de 2008. As normas ortográficas novas e pretéritas coexistirão durante o período de transição (1º de janeiro de 2009 a 31 de dezembro de 2012), conforme determina o art. 2º, parágrafo único, do precitado Decreto Presidencial.

[12] QUEIRÓS, Narcélio de. Teoria da “actio libera in causa” e outras teses. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1963, p. 37.

[13] SANTOS, Juarez Cirino dos. A moderna teoria do fato punível. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 2000, p. 223.

[14] Ibid., loc. cit.

[15] MUÑOZ CONDE, Francisco. Teoria geral do delito. Porto Alegre: SAFE, 1988, p. 151.

[16] Ibid., loc. cit.

[17] Ibid., p. 152-153.

[18] Ibid., p. 153.

[19] LEIRIA, Antônio José Fabrício. Fundamentos da responsabilidade penal. Rio de Janeiro: Forense, 1980, p. 257.

[20] QUEIRÓS, Narcélio de. Op. cit., p. 13.

[21] LEIRIA, Antônio José Fabrício. Op. cit., p. 257.

[22] Ibid., loc. cit.

[23] ROXIN, Claus. Observaciones sobre la actio libera in causaAnuario de Derecho Penal y Ciencias Penales, Madrid, v. 41, nº 1, ene.-abr. 1988, p. 26.

[24] Ibid., loc. cit.

 

Culpabilidade, proporcionalidade e necessidade concreta da pena

Themis 2

“[…] 1. Do ponto de vista da Teoria Geral do Direito Público, o princípio tridimensional da proporcionalidade assim se compõe:

1.1 Dimensão da adequação. Cogita-se o ato estatal, em dada situação, apto ao alcance ou ao fomento de determinada finalidade legal de interesse público.

1.2 Dimensão da necessidade. Dentre os atos estatais adequados, escolhe-se o menos ofensivo aos bens, interesses e direitos sacrificados em certa circunstância.

1.3 Dimensão da proporcionalidade em sentido estrito. Avalia-se se, em dado contexto, os benefícios aos bens, interesses e direitos priorizados superam os efeitos nocivos sobre os bens, interesses e direitos lícitos preteridos.

2 Ao orientar o julgador acerca da necessidade concreta da pena, as dimensões da proporcionalidade adquirem tonalidades peculiares à ambiência da dogmática penal, matizando a apreciação da culpabilidade (dimensão da adequação) com o posterior exame da indispensabilidade preventiva da pena (dimensão da necessidade) e, em seguida, com a análise da relação custo-benefício, por meio do contraste entre os efeitos positivos e negativos da imposição da pena (dimensão da proporcionalidade em sentido estrito).

3 Em sede do estudo da necessidade concreta da pena, a dimensão da adequação expressa o juízo de reprovação penal na ótica da culpabilidade finalista, presente quando incide sobre autor de fato típico e antijurídico, em razão dessa pessoa (um imputável), por meio de conduta omissiva ou comissiva, ter optado contrariar o Direito, quando podia e devia respeitá-lo e o respeitaria, se houvesse agido de forma distinta e ajustada à ordem jurídica. Ventríloquo do princípio da culpabilidade, a pedra de toque dessa formulação da dimensão da adequação reside na exigibilidade de conduta diversa e, por conseguinte, no poder-agir-de-outro-modo, considerados os parâmetros usualmente indicados pela experiência humana, conjugados com a análise do caso concreto, averiguando-se se havia condições cognoscíveis mínimas para o agente esboçar comportamento diferente e ajustado à ordem jurídica, o que significa, inclusive, atestar-se a presença de condições cognoscíveis mínimas para que o autor, à época, tivesse (e antes houvesse buscado obter) a consciência da ilicitude do fato, tendo-se por parâmetro a análise conjunta das peculiaridades do sujeito ativo do injusto, da situação com a qual deparou e das balizas da experiência social.

4 No âmbito do exame da necessidade concreta da pena, a dimensão da necessidade perscruta a indispensabilidade preventiva da sanção penal. Emoldurado pela medida da culpabilidade, o campo de incidência da prevenção geral positiva limitadora se delineia, tendo como máximo, o teto inexcedível da culpabilidade, e, como mínimo, o estritamente essencial ao resguardo de valores, bens e direitos fundamentais (não apenas de estatura constitucional como também de extrema relevância jurídico-penal) violados. Dentro de tais limites, ou seja, circunscrita às balizas da prevenção geral positiva limitadora, atua a prevenção especial, que definirá, por último, a medida da pena, devendo conferir preponderância à prevenção especial positiva (que deve se voltar à harmônica integração social do delinquente), salvo quando a ausência de perspectivas fundadas do potencial ressocializador da pena permitir apenas se ponderar quanto à indispensabilidade quer da intimidação do apenado, quer, em caso de pena de privativa de liberdade, de sua temporária retirada do convívio social. Reconhece-se que, dentre os plausíveis efeitos da aplicação da pena ao caso concreto, pode, de fato, haver efeito intimidativo geral, ainda que parcial.

5 Na análise acerca da necessidade concreta da pena, a dimensão da proporcionalidade stricto sensu insta o julgador a refletir se a aplicação da pena trará ou não à sociedade benefícios superiores aos malefícios a serem causados à integridade física, psíquica e moral do réu, em face da execução da sanção penal, máxime em se tratando de pena privativa de liberdade, considerando, neste caso, os eventuais custos dos setores público e privado com a manutenção do egresso no cárcere e com o seu retorno ao seio da coletividade e, por outro lado, o impacto social da ausência de aplicação da pena de prisão. Ao sopesar os aspectos favoráveis e desfavoráveis da execução da sanção penal, o julgador deve conferir primazia (peso maior) à necessidade (ressaltada amiúde, pela jurisprudência penal portuguesa e pelo magistério de Jorge de Figueiredo Dias) de tutela dos bens jurídicos violados e de se estabilizarem, de forma contrafática, as expectativas da sociedade na vigência das normas jurídicas ofendidas, de modo que, respeitada a barreira intransponível da culpabilidade, a punição penal contenha (sirva de última barreira de contenção de) o ímpeto extraestatal (da sociedade, da vítima e dos afetos de sua alma) de praticar a vingança, de arrogar para si a incumbência de exercício arbitrário das próprias razões ou da autotutela. Não se deve ignorar, no caso concreto, a frequente necessidade, por vezes premente, de defender a ordem jurídica afrontada, máxime na atual sociedade brasileira, em que existe clamor popular acentuado pela atuação diligente do dever-poder punitivo do Estado, em meio à crença generalizada (por vezes, catalisada pela desinformação jurídica e sensacionalismo da mídia) de que predomina no País a impunidade — percepção coletiva (incentivada pelos “formadores de opinião”) a fomentar e legitimar, socialmente, os procedimentos ilícitos de repressão à criminalidade (a exemplo de milícias, de “esquadrões da morte”, de “matadores de aluguel” e do porte de armas por empresários e profissionais liberais), os quais acabam por galvanizar o fator criminógeno do caldo cultural das metrópoles brasileiras, um movimento de retroalimentação da violência. Em todo caso — cabe enfatizar —, denota-se inultrapassável a muralha da culpabilidade.

6 Embora, na atualidade, afigure-se de difícil aplicabilidade parcela considerável das reflexões fomentadas neste trabalho monográfico, as questões versadas e as balizas planteadas prenunciam desafios com os quais os cientistas do Direito Penal, os legisladores, a magistratura e a sociedade em geral terão de enfrentar, à medida que a evolução planetária em torno da humanização de valores, paradigmas e expectativas sociais exigirem novos olhares, questionamentos e formulações relativas à necessidade concreta da pena, movimento de renovação e reciclagem com o qual se buscou contribuir, por meio das achegas atrás lançadas. […]”

Trata-se das conclusões da versão revisada em 2010 de artigo jurídico de nossa autoria originalmente publicado na segunda metade da década passada.

Veja aqui a revisão revisada do referido artigo jurídico.

Como citar a referência bibliográfica dessa redação revisada e ampliada: FROTA, Hidemberg Alves da. A necessidade concreta da pena, à luz do princípio tridimensional da proporcionalidade. Revista Jus Navigandi, Teresina, v. 16, n.º 3.050, 7 nov. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20384. Acesso em: 25 fev. 2019.

Veja aqui a versão original de tal artigo jurídico.

Como citar a referência bibliográfica da versão original: FROTA, Hidemberg Alves da. A necessidade concreta da pena, à luz do princípio tridimensional da proporcionalidade. Anuario de Derecho Constitucional Latinoamericano, Montevideo, v. 14, n. 1, p. 243-281, ene.-dic. 2008.

 

Reaquisição de nacionalidade brasileira: ato discricionário ou vinculado?

passaportebrasileiro

Veja aqui artigo que escrevemos sobre a controvérsia em torno da reaquisição de nacionalidade brasileira a fim de evitar a apatridia, por força da superveniente perda de nacionalidade estrangeira.

Como citar esta referência: FROTA, Hidemberg Alves da. Reaquisição da nacionalidade brasileira: ato discrionário ou vinculado? Revista Jurídica Consulex, Brasília, DF, v. 8, n. 185, p. 63-64, 30 set. 2004.

 

Conexão racional e proporcionalidade

"[…] 3.4 Conexão racional e proporcionalidade

A doutrina judicial hard look (“hard look doctrine”), igualmente denominada de revisão judicial hard look (“hard look review”), é empregada, na atualidade, como sinônimo do controle judicial da ação administrativa arbitrária e caprichosa (“arbitrary and capricious review”), relativa ao regime jurídico da Administrative Procedure Act – APA (a Lei do Processo Administrativo Federal dos Estados Unidos, vigente desde 11 de junho de 1946), construção pretoriana cujo embrião nasceu do até hoje existente critério jurisprudencial da conexão racional (“rational connection”), que remonta à jurisprudência norte-americana pretérita à APA, prevalecente no decorrer das suas duas primeiras décadas de vigência (anos 1940 e 1950), período em que o controle judicial das agências circunscrevia-se à aferição da presença de um mínimo nexo de plausibilidade entre o propósito permitido pela ordem jurídica (“permissible goal”) e os meios escolhidos para se atingir tal fim (HARVARD LAW REVIEW, 2015, p. 1.910-1.915; VIRELLI III, 2015, p. 722-733, 758-760)[1].

Administrative Procedure Act

A concepção de Yacoob do teste da racionalidade assemelha-se também às plurívocas expressões dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

Ao examinarem os julgados das Cortes Constitucionais da Coreia do Sul e de Taiwan relacionados à revisão judicial da ação administrativa, por meio do princípio da proporcionalidade, Cheng-Yi Huang e David S. Law ressaltam que uma parcela de tais acórdãos de ambos os Tribunais Constitucionais adscreve-se a lançar mão, a título de controle de racionalidade, de uma versão do teste da adequação de aspecto rudimentar (“rough equivalent of rational basis scrutiny”), no caso sul-coreano, ou, no caso taiwanês, vago (“loose version of the test that considers merely whether the law in question is arbitrary or lacks a rational connection with the legislative purpose”) (HUANG; LAW, 2015, p. 14, 20-21, grifo nosso).

No Brasil, Valeschka e Silva Braga, ao dissertar sobre a concepção tripartite do princípio da proporcionalidade (dividida em adequação ou idoneidade, necessidade ou exigibilidade e proporcionalidade em sentido estrito), de matriz alemã, preconiza, no âmbito da adequação, seja perquirida a presença de “uma causalidade real e racional entre o meio e o fim”, para que se verifique se foram “observadas as condições físicas e lógicas para a inquirição da compatibilidade” (BRAGA, 2008, p. 112, grifo nosso).

proporcionalidade razoabilidade valeschka

Em Portugal, Jorge Miranda, adepto da tripartição do princípio da proporcionalidade em necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito (ordem diversa, dessarte, da usual sequência adequação, necessidade e proporcionalidade stricto sensu), insere no subprincípio da adequação a “correspondência de meios a fins”, mas nomina de “racionalidade ou proporcionalidade stricto sensu” o terceiro subprincípio, enxergando-o como a expressão da “justa medida”, (1) a implicar a “correta avaliação da providência em termos quantitativos (e não só qualitativos)”[2] e (2) a significar, ainda, não ficar aquém nem além “do que importa para se obter o resultado devido” (MIRANDA, 2000, p. 207, grifo do autor).

jorge miranda manual

Na Itália, Marcello Clarich vislumbra essa concepção tridimensional do princípio da proporcionalidade de raiz germânica como uma particularidade ou especificação (“una specificazione”) do princípio da razoabilidade (“principio di ragionevolezza”), de feição mais genérica (“ancora più generale”) e origem pré-jurídica (“di natura in realtà pregiuridica”). Para o administrativista peninsular, o princípio da razoabilidade deriva da teoria da escolha racional (“teoria delle scelte razionali”), segundo a qual a Administração Pública (à semelhança dos agentes econômicos) é capaz “de perseguir determinados objetivos”, ao encetar ações lógicas, coerentes e funcionais (CLARICH, 2013, p. 154-155).

No Canadá, a Suprema Corte, no acórdão-paradigma do caso R. v. Oakes[3], ao interpretar a Carta de Direitos e Liberdades canadense[4], delineou, no § 70 daquele aresto, formulação tridimensional do princípio da proporcionalidade na qual, a título de primeiro teste, averígua-se se “as medidas adotadas foram cuidadosamente concebidas para se atingir o objetivo em questão”, tendo-se em perspectiva o mister de que haja “conexão racional com o objetivo”, vedando-se aquelas “arbitrárias, injustas ou baseadas em considerações irracionais” (CANADÁ, 2015b, grifo nosso; ENDICOTT, 2015, p. 96; FOLEY, 2015, p. 74-75). A proporcionalidade trina, tal como ventilada no caso R. v. Oakes, foi invocada pela Suprema Corte da Irlanda no igualmente paradigmático julgamento de Heaney v. Ireland[5] (FOLEY, 2015, p. 74-75).

Canadian Charter

Em Israel, Aharon Barak, no controle de constitucionalidade da legislação infraconstitucional, decompõe, de modo quadripartite, o princípio da proporcionalidade, nos testes (1) da finalidade adequada (“proper purpose”), (2) da conexão racional (“rational connection”), (3) da necessidade (“necessity”) e (4) da proporcionalidade em sentido estrito (“proportionality stricto sensu) ou balanceamento (“balancing”) (BARAK, 2012, p. 245-378).

aharon proportionality

A conexão racional, na visão do ex-Chief Justice da Suprema Corte israelense, concerne à congruência entre a restrição a direitos constitucionais imposta pela legislação[6] e a finalidade a que visa o respectivo ato normativo, a fim de que as limitações normativas ao exercício de direitos constitucionais configurem meios racionais, para que se aumente a probabilidade de alcance ou de fomento do propósito normativo subjacente (“[…] can realize or advance the underlying purpose of that law”; that the use of such means would rationally lead to the realization of the law´s purpose” […] “that the means chosen be pertinent to the realization of the purpose in the sense that the limiting law increases the likelihood of realizing its purpose”) (BARAK, 2012, p. 303).

O constitucionalista indiano Madhav Khosla estampa a mesma divisão tetrapartite de Barak do teste da proporcionalidade, posicionando no segundo subteste o questionamento relativo à “conexão racional entre a medida e o seu desiderato” (KHOSLA, 2015, p. 299, grifo nosso).

No Reino Unido, o princípio da proporcionalidade, no regime jurídico da Lei de Direitos Humanos[7], também adquire fisionomia quadripartite, em que, no segundo questionamento, indaga-se se as medidas estatais projetadas para se atender dado objetivo legislativo encontram-se “racionalmente conectadas a ele” (WADE; FORSYTH, 2014, p. 307, grifo nosso).

Human Rights Act UK

[1] Segundo Peter Cane, a revisão judicial, com espeque na abordagem norte-americana da doutrina judicial hard look, concita os administradores públicos a comprovarem que consideraram todas as relevantes evidências disponíveis e que a decisão administrativa adotada foi, de acordo com tais evidências, um meio racional de alcançar os objetivos que nortearam, na situação examinada, o exercício da discricionariedade administrativa: “Hard-look review requires administrators to show that they have considered all relevant available evidence and that the decision made is, in the light of that evidence, a rational way of achieving the objectives of the discretion.” (CANE, 2011, p. 174, grifo nosso)

peter cane administrative law

[2] Citação adaptada ao português brasileiro.

[3] Numeração oficial: R v. Oakes [1986] 1 SCR 103 (CANADÁ, 2015b).

[4] Mais conhecido como Canadian Charter of Rights and Freedoms ou La Charte canadienne des droits et libertés, corporificado na Lei Constitucional de 1982 (CANADÁ, 2015a).

[5] Numeração oficial: [1994] 3 I.R. 593 (FOLEY, 2015, p. 74).

[6] Em tal conjuntura (BARAK, 2012, p. 303-304), o vocábulo law compreende o conjunto da legislação: não apenas as leis formais (statutes), como também os demais atos estatais normativos, tais quais os regulamentos.

[7] Mais conhecido como Human Rights Act 1998 (REINO UNIDO, 2015). […]"

Leia o artigo completo: O caso Simelane: o controle judicial dos atos de nomeação expedidos pelo Chefe do Poder Executivo, à luz do critério das considerações relevantes e do princípio da racionalidade.

Como citar a referência bibliográfica: FROTA, Hidemberg Alves da. O caso Simelane: o controle judicial dos atos de nomeação expedidos pelo Chefe do Poder Executivo, à luz do critério das considerações relevantes e do princípio da racionalidade. Revista Digital de Direito Administrativo, Ribeirão Preto (SP), v. 3, n. 2, p. 296-330, jul.-dez. 2016.

 

Racionalidade, razoabilidade, legalidade e rule of law

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“[…] 3.3 Racionalidade, razoabilidade, legalidade e rule of law

No caso Simelane, o voto condutor de Yacoob diferenciou os testes da racionalidade e da razoabilidade: enquanto o primeiro se adstringeria a aquilatar a presença de racionalidade entre os meios empregados e o fim colimado, o segundo verificaria se teria sido possível a adoção de meios mais adequados para se cumprir o mesmo propósito (acórdão do caso 122/11, §§ 29 a 32) (ÁFRICA DO SUL, 2015d).

Govender inferiu que, de acordo com tal aresto, a razoabilidade refere-se à revisão judicial da substância da decisão impugnada (o conteúdo do ato decisório), ao passo que a racionalidade diz respeito ao controle judicial da pertinência lógica entre os meios empregados e as finalidades almejadas (“logical connection between means employed and ends sought”), secundado da verificação se o exercício de determinada potestade estatal distorceu essa relação entre meios e fins (“the exercise of power distorts means and ends”), mas depurado da indagação – seara do controle de razoabilidade – se haveria meios melhores ou mais apropriados (GOVENDER, 2015b, p. 459-461).

Um dos significativos precedentes que antecede ao caso Simelane e serve de embasamento para o voto condutor de Yacoob (acórdão do caso 122/11, §§ 30 a 31 e 34 a 35) reside no julgamento de Albutt v Centre for the Study of Violence and Reconciliation and Others, em 23 de fevereiro de 2010, em que, no controle da racionalidade da prerrogativa do Presidente da República de conceder, em prol da reconciliação sul-africana, visando à reconstrução do País, perdão (“pardon”) a apenados condenados por motivos políticos, perscrutou-se a conexão racional entre os meios selecionados e o objetivo acalentado, sem haver a Corte Constitucional problematizado a existência ou não de meios alternativos mais adequados, concluindo pelo imperativo de que, a fim de que o perdão configure meio racional para patrocinar a reconciliação nacional, haja a prévia oitiva “das vítimas dos crimes, ou de seus familiares” (BRAND, MURCOTT, 2015, p. 71) (acórdão do caso CCT 54/09, §§ 51 a 52 e 74 a 75) (ÁFRICA DO SUL, 2015c; ÁFRICA DO SUL, 2015d; BRAND, MURCOTT, 2015, p. 61, 63, 69-73; GOVENDER, 2015b, p. 461; HOEXTER, 2015a, p. 183, 191; KOHN, 2015a, p. 34; KOHN, 2015b, p. 811, 828-831; PRICE, 2015, p. 2, 10, 11, 14)[1].

Citado, de maneira lateral, no voto de Yacoob (acórdão do caso 122/11, §§ 27 e 41 a 42), precede ao caso Simelane, de modo mais recuado, o julgamento, em 25 de fevereiro de 2000, de Pharmaceutical Manufacturers Association of South Africa and Another: In re Ex Parte President of the Republic of South Africa and Others, em que o voto condutor de Arthur Chaskalson (então Presidente e depois Chief Justice da Corte Constitucional) inaugurou a jurisprudência daquele Tribunal Constitucional a enxergar na racionalidade requisito mínimo imprescindível ao exercício das potestades incumbidas ao Poder Executivo e aos demais agentes públicos (“Rationality in this sense is a minimum threshold requirement applicable to the exercise of all public powers by members of the executive and other functionaries”), no que se refere ao nexo de racionalidade entre a decisão tomada (alvo do controle judicial) e a finalidade para a qual foi dado o poder decisório ao respectivo agente público (“The question whether a decision is rationally related to the purpose for which the power was given calls for an objective enquiry”), forte na premissa de que a conduta do agente público caracterizada, aos olhos do common law, como ultra vires, por exceder seus poderes delineados pelo Direito Legislado, corresponde, desde a Constituição Interina de 1993, a um ato constitucionalmente inválido, à luz da doutrina da legalidade (“What would have been ultra vires under the common law by reason of functionary exceeding a statutory power is invalid under the Constitution according to the doctrine of legality”), haja vista que a Constituição, sendo a lei suprema, modela todo o ordenamento jurídico, inclusive o common law  (“There is only one system of law. It is shaped by the Constitution which is the supreme law, and all law, including the common law, derives its force from the Constitution and is subject to constitutional control”) (acórdão do caso CCT 54/09, §§ 44, 51 a 52 e 74 a 75) (ANDREAS, 2015, p. 41-42; ÁFRICA DO SUL, 2015c; ÁFRICA DO SUL, 2015d; ENRICO, 2015, p. 754; HOEXTER, 2015a, p. 178, 187; KOHN, 2015a, p. 22, 26, 36; KRÜGER, 2015, p. 482-483; LANGA, 2015, p. 1; PRICE, 2015, p. 2, 10, 14).

Price, ao tecer reflexões a respeito do caso Simelane, vislumbrou a racionalidade como desdobramento indireto do rule of law, intermediado pela legalidade: preleciona que o princípio da racionalidade procede, de modo direto ou imediato, do princípio da legalidade e, de forma indireta ou mediata, origina-se do valor constitucional do rule of law (PRICE, 2015, p. 6, 10, 14-15).

Ante o conceito indeterminado de rule of law, a renomada obra Administrative Law, de Sir William R. Wade, atualizada por Christopher F. Forsyth, assinala duas principais acepções (WADE; FORSYTH, 2014, p. 15-16):

  1. Rule of law, como agir governamental que deve estar em conformidade com a lei (“[…] done according to law”), isto é, chancelado, de maneira direta ou indireta, pelo Direito Legislado (“authorized directly or indirectly by Act of Parliament”), sob pena de intervenção judicial (“The affected person may always resort to the courts of law, and if the legal pedigree is not found to be perfectly in order the court will invalidate the act, which he can then safely disregard”).
  2. Rule of law, como sujeição do Governo a regras e princípios a emoldurarem a discricionariedade governamental, limitando o seu espectro (“[…] government should be conducted within a framework of recognized rules and principles which restrict discretionary power”), plexo normativo conjugado com o controle judicial do abuso discricionário não só repressivo mas também preventivo (“An essential part of the rule of law […] is a system of rules for preventing the abuse of discretionary power. […] And the rule of law requires that the courts should prevent the abuse of such powers”).

Na África do Sul democrática, a tônica do rule of law repousa, via princípio da legalidade, na supremacia constitucional (KRÜGER, 2015, p. 479-487), em consequência da ruptura, pela seção 4(1)(2) da Constituição Interina de 1993, com o paradigma britânico da soberania parlamentar[2].

Ainda que consolidada na jurisprudência sul-africana o nexo entre supremacia constitucional e rule of law, o conteúdo deste, ensina Rósaan Krüger, variará conforme as peculiaridades do caso concreto (KRÜGER, 2015, p. 479-487).

O principal exemplo fornecido pela docente da Universidade de Rhodes relaciona-se ao caso Masetlha (Masetlha v President of the Republic of South Africa and Another)[3], julgado pela Corte Constitucional em 3 de outubro de 2007, em que a maioria, capitaneada pelo Vice-Presidente (Deputy Chief Justice), Dikgang Ernest Moseneke[4], reputou lícita a exoneração (baseada em alegada quebra de confiança), em 22 de março de 2006, de Billy Lesedi Masetlha, pelo então Presidente da República Thabo Mbeki, do cargo de Diretor-Geral da antiga Agência Nacional de Inteligência[5] (em verdade, Masetlha fora primeiro suspenso e depois tivera o seu mandato abreviado, em consequência do monitoramento indevido, pela Agência, do empresário Macozoma), porque a considerou legal e racional, ao passo que, para a minoria daquele Tribunal Constitucional, liderada pelo então Justice (futuro Chief Justice) Sandile Ngcobo, o ato de exoneração, além de contemplar a legalidade genérica e a racionalidade, precisaria estar imbuído da mencionada procedural fairness, em deferência ao princípio audi alteram partem, requisito inobservado, porque a expedição de tal ato decisório, na óptica minoritária da Corte, deveria haver sido precedida da oportunidade de Masetlha ser ouvido e de se manifestar a respeito da invocada quebra de fidúcia (ÁFRICA DO SUL, 2015f; HOEXTER, 2015a, p. 180, 191; KOHN, 2015b, p. 827-829; KRÜGER, 2015, p. 469-475, 478-487).

O liame entre legalidade e rule of law, na atual conjuntura sul-africana, remete-se ao papel sui generis, repisa-se, cada vez mais desempenhado pelo princípio da legalidade no panorama contemporâneo do Direito Constitucional e do Direito Administrativo sul-africanos: de forma recorrente, aplica-se o princípio da legalidade (a transluzir, recorde-se, a supremacia da Constituição), entre outras hipóteses, a título subsidiário, nas situações que, não tuteladas pelo regime jurídico da Lei de Promoção da Justiça Administrativa, instam o Poder Judiciário a abraçá-lo como marco jurídico precípuo a ser considerado, juntamente com o princípio da racionalidade[6] (ANDREAS, 2015, p. 38-42; HENRICO, 2015, p. 750-757; HOEXTER, 2013, p. 124; KOHN, 2015a, p. 33-35; PRICE, 2015, p. 10-11, 13, 15).

Além de diferenciar a racionalidade da legalidade, Price distingue, como Govender, a racionalidade da razoabilidade, vendo a racionalidade como uma baliza constitucional geral a que se submetem todas as modalidades de exercício do poder público, enquanto que reserva a razoabilidade a aplicações setoriais, adstritas a certas questões constitucionais, a exemplo destas hipóteses levantadas pelo docente da Universidade da Cidade do Cabo (PRICE, 2015, p. 7, 14):

  1. Se uma limitação de direito constitucional se afigura “razoável e justificável”, aos olhos da seção 36 da Constituição Final[7] (dispositivo que contém os requisitos para a limitação de direitos fundamentais);
  2. Se o Poder Legislativo tem adimplido o seu dever constitucional de “facilitar o envolvimento do público” com o processo legislativo a que se reportam as seções 59, 72 e 118 da CF;
  3. Se um agente administrativo contemplou quer o direito constitucional a uma ação administrativa justa (seção 33 da CF), quer as balizas da Lei de Promoção da Justiça Administrativa (a regulamentar ― lembre-se ― as diretrizes dimanadas da mesma seção 33 da CF).

Partindo de ressalva aventada, ad latere, no voto condutor de Yacoob sobre a possibilidade de interseção (“there may be some overlap”) entre o racional e o razoável (acórdão do caso 122/11, §§ 29 a 32) (ÁFRICA DO SUL, 2015d), Price apresenta estes pontos de convergência e divergência entre ambos os princípios (PRICE, 2015, p. 7, 10):

  1. Embora toda conduta irracional (“irrational”) sob o ângulo constitucional seja, igualmente, irrazoável (“unreasonable”) sob a óptica constitucional, uma conduta irrazoável pode ser racional sob a perspectiva constitucional, de sorte que toda conduta irracional é irrazoável, porém nem toda conduta irrazoável é irracional;
  2. A Suprema Corte de Apelação e a Corte Constitucional no caso Simelane, ao perceberem que uma falha em levar em conta fatores relevantes pode resultar em conduta irracional, aproximaram as searas da racionalidade e da razoabilidade, uma vez que o critério das considerações relevantes, antes que, no caso Simelane, fosse associado ao controle da racionalidade da ação executiva (tornando-se, a partir desse precedente, inerente ao princípio da racionalidade), foi (e tem sido), na jurisprudência administrativista do common law[8], empregado na aferição do abuso de discricionariedade da ação administrativa, o qual configura uma expressão de irrazoabilidade administrativa (“a kind of abuse of discretion, that is, a variant of unreasonableness”).

Em que pese Yacoob, em seu voto majoritário, enfatizar a racionalidade na condição de teste distinto da razoabilidade e de caráter não intrusivo no âmbito do Poder Executivo, Lauren Manon Kohn refuta essa retórica, por entender que (1) encobre fenômeno de expansão do requisito substancial ou substantivo da racionalidade, (2) é invasiva da esfera do Poder Executivo e deletéria à estabilidade institucional (“institutional security”) do Poder Judiciário e, ipso facto, à legitimidade judicial (“authoritative legitimacy”), (3) reverbera processo de raciocínio jurídico superficial (“superficial reasoning”), (4) ditado pelo pragmatismo judiciário, (5) sem robusta motivação quanto aos seus reflexos na separação de poderes, e (6) incongruente, porque, a despeito de ventilar a racionalidade como baliza diversa da razoabilidade, tal formulação do controle de racionalidade traduz, em seu conteúdo, espécie de aplicação do controle de proporcionalidade similar à revisão judicial de razoabilidade inspirada na doutrina norte-americana hard look, de procedência jurisprudencial (KOHN, 2015b, p. 811-812, 833-835).

[1] Por albergar o conceito em abstrato do princípio da racionalidade, é digno de nota este trecho do voto condutor, no caso Albutt, proferido pelo Chief Justice Ngcobo (§ 51 do aresto): “[51] O Executivo possui uma ampla discricionariedade para selecionar os meios a fim de alcançar seus objetivos constitucionais permitidos [“constitutionally permissible objectives”]. Os Tribunais [Judiciários] não devem interferir em relação aos meios selecionados apenas por não gostarem deles, ou porque existem outros meios mais apropriados que poderiam ter sido selecionados. No entanto, quando uma decisão é impugnada em termos de racionalidade, os Tribunais [Judiciários] são obrigados a examinar os meios selecionados, para determinar se estão racionalmente relacionados com o objetivo cujo alcance foi almejado. O que precisa ser enfatizado é que o propósito do escrutínio [“enquiry”] é determinar, não se outros meios poderiam ter sido usados, mas se os meios escolhidos estão racionalmente relacionados com o objetivo cujo alcance foi ansiado. E se, objetivamente falando, não o estão, encontram-se aquém do padrão demandado pela Constituição. Esse é o verdadeiro exercício do poder de perdão [presidencial], conforme a seção 84(2)(j) [da Constituição sul-africana de 1996].” (ÁFRICA DO SUL, 2015c, tradução livre nossa, grifo nosso)

[2] Norma principiológica preponderante no constitucionalismo sul-africano anterior às Constituições de 1993 e 1996, sedimentada pela seção 59 da Constituição de 1961 (primeira Constituição republicana do Estado sul-africano moderno, a repelir o controle judicial da validade de atos do Poder Legislativo, salvo em questões afetas à isonomia linguística entre o africâner e o inglês, as duas línguas oficiais da época, e ao devido processo legislativo de reforma constitucional), o princípio da supremacia parlamentar (parliamentary sovereignty), oriundo do parlamentarismo britânico (sistema ou modelo de Westminster) e do magistério doutrinal de Albert Venn Dicey (1835-1922), inspirado no axioma de que o Parlamento pode fazer tudo que não for naturalmente impossível (“everything that is not naturally impossible”), foi adaptado, no ordenamento jurídico emoldurado pelo apartheid, à finalidade de tornar os atos legislativos infensos ao controle judicial e, assim, respaldar o domínio da minoria branca sobre a maioria negra, uma vez que, a pretexto de preservar a primazia do Parlamento da África do Sul, subordinou a função jurisdicional do Poder Judiciário à função normativa do Poder Legislativo (como se aquela fosse inferior a esta), convolando-se os provimentos jurisdicionais em instrumentos de chancela da legislação de segregação, repressão e exclusão sociais (estribada, por seu turno, em critérios raciais), inclusive de leis de segurança nacional draconianas (à semelhança de leis antiterroristas hoje em voga em escala planetária), partindo-se da premissa de que, sendo inafastável a prevalência dos ditames da legislatura sobre a magistratura (e os demais corpos de agentes públicos e instituições estatais), estaria, em regra, o Poder Judiciário obstado de efetuar o controle substantivo, substancial ou material da legislação, ainda que injusta ou irrazoável, e limitado ao controle formal ou procedimental dos atos legislativos, é dizer, somente quanto à observância do devido processo legislativo (ÁFRICA DO SUL, 2015; CHASKALSON, 2015, p. 26-27; KLUNG, 2010, p. 7, 10-13; MOTSHEKGA, 2015, p. 459-462; RAPATSA, 2015, p. 891; SANG, 2015, p. 102-104). Invocava-se o princípio da soberania parlamentar no seio tanto do Poder Judiciário quanto do Poder Legislativo: 1. De um lado, mediante autocontenção judicial, os órgãos judiciários abstinham-se de apreciar a legalidade de normas legislativas atreladas a políticas públicas racistas, antidemocráticas e excludentes, dificultando o controle judicial, independente e imparcial de atos do Poder Executivo que, escudados em tais diplomas legislativos, violassem (como, de fato, violaram) direitos humanos; 2. Por outro lado, o Direito Legislado, por meio da edição de atos legislativos imbuídos de dispositivos legais chamados de “ouster clauses”, vedava determinadas hipóteses de revisão judicial da ação administrativa, a ponto de interditar-se, pela via legislativa, nos anos 1980, durante o tumultuado período de vigência da Constituição Tricameral de 1983, o controle judicial de prisões realizadas no decorrer dos frequentes estados de emergência da segunda metade daquela década e à revelia do devido processo legal, do direito de defesa e de julgamento isento, cujo antecedente histórico remonta aos primórdios do século XIX, quando o Parlamento da antiga República Sul-Africana, denominado Volksraad (Conselho Popular), editara legislação a proibir a revisão judicial de atos estatais (HALLEY, 2015, p. 16, 18-19; KLUNG, 2010, p. 13; KOHN; CORDER, 2015; WIKIPEDIA, 2015i). Em realidade, ao longo do apartheid, o princípio da soberania parlamentar foi desnaturado, em prejuízo do princípio da separação dos poderes e da autonomia não só do Poder Judiciário como também do Poder Legislativo, tendo-se em mira que o Parlamento da África do Sul, ao exercitar sua atividade legiferante, restringia-se ao papel de longa manus do Poder Executivo, cujo gabinete ministerial sujeitava-se ao controle efetivo, não do Poder Legislativo, e sim do Partido Nacional (“National Party of South Africa” ou “Nasionale Party van Suid-Afrika” – NP), principal organização político-partidário promotora do regime de segregação racial (BAXTER, 2015, p. 182-183; WIKIPEDIA, 2015f).

[3] Numeração oficial: Masetlha v President of the Republic of South Africa and Another (CCT 01/07) [2007] ZACC 20; 2008 (1) SA 566 (CC); 2008 (1) BCLR 1 (ÁFRICA DO SUL, 2015f).

[4] O voto de Moseneke encontra-se contido nos §§ 1 a 104 do acórdão do caso CCT 01/07. De outra parte, o voto de Ngcobo corresponde aos §§ 105 a 225 daquele aresto (ÁFRICA DO SUL, 2015f).

[5] Mais conhecida como National Intelligence Agency (NIA). Em 2009, os órgãos de segurança sul-africanos foram unificados, sob a batuta da Agência Estatal da Segurança (State Security Agency – SSA) (JORDAN, 2015).

[6] Cora Hoexter, em capítulo de livro publicado em 2015, vaticinou que o crescimento acelerado do conteúdo do princípio da legalidade, como pedra de toque do “universo paralelo” do Direito Administrativo sul-africano (paralelo ao Direito Administrativo sob a égide da Lei de Promoção da Justiça Administrativa), fará com que, sob o pálio de tal norma principiológica geral, reproduzam-se, futuramente, no regime jurídico de controle judicial dos atos estatais do Poder Executivo não caracterizados como ação administrativa ou não regidos pela PAJA, todos os requisitos de revisão da ação administrativa contidos na Lei de Promoção da Justiça Administrativa (“[…] there seems no reason why it should not, in time, replicate every one of the grounds of review in the PAJA”) (HOEXTER, 2015a, p. 184). Antes, em capítulo de livro publicado em 2014, a mesma administrativista sul-africana (1) asseverou que o Direito Administrativo, além de reger todas as condutas estatais definidas, pela Lei de Promoção da Justiça Administrativa, como ações administrativas, norteia, em certa medida, por meio dos princípios administrativistas, todas as outras ações estatais relativas ao exercício de poderes públicos, independente de se tratar, exempli gratia, de decisão tomada por agente público de baixo escalão ou pelo Presidente da República, e (2) assinalou que a Corte Constitucional da África do Sul, por intermédio do rule of law e da doutrina geral da constitucionalidade, tem aplicado os princípios da boa administração a atos que não caracterizam ação administrativa stricto sensu (HOEXTER, 2014, p. 127). Dela emanou uma das pioneiras críticas, na primeira metade da década de 2000, à definição legal de ação administrativa contida na PAJA, por considerá-la desnecessariamente restritiva, complexa, opaca e intrincada, aquém do tradicional raio de alcance do controle judicial da ação administrativa delimitado pelo common law (“[…] many decisions of a public nature that would have been reviewable at common law now simply fall outside the purview of the Act”) (HOEXTER, 2015b). São as deficiências e as limitações dessa definição legal de ação administrativa uma das causas para o desenvolvimento jurisprudencial dos princípios da legalidade e da racionalidade, como critérios de controle das condutas do Poder Executivo sul-africano não caracterizadas, pelo Direito Positivo, como ação administrativa (PRICE, 2015, p. 13).

[7] A Constituição da República da África do Sul de 1996 é denominada de Constituição Final – CF (final Constitution, de sigla fC ou FC) –, em contraste com a Constituição anterior, de 1993, mais conhecida como Constituição Interina – CI (interim Constitution, de sigla iC ou IC) (CORDER, 2015b, p. 38; KLAAREN, 2015a p. 25-1; VOLMINK, 2015, p. 4)

[8] Nessa acepção, common law reporta-se ao “direito costumeiro reconhecido pelos juízes” (SILVA, 2010, p. 315). Em que pese a literatura jurídica lusófona aludir à locução common law ora como locução substantiva masculina, ora como locução substantiva feminina, reporta-se a tal vocábulo, neste artigo jurídico, como locução substantiva masculina, pois que law, em tal conjuntura, não se trata apenas de lei, mas de direito, é dizer, direito consuetudinário sedimentado pela jurisprudência. […]”

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Leia o artigo completo: O caso Simelane: o controle judicial dos atos de nomeação expedidos pelo Chefe do Poder Executivo, à luz do critério das considerações relevantes e do princípio da racionalidade.

Como citar a referência bibliográfica: FROTA, Hidemberg Alves da. O caso Simelane: o controle judicial dos atos de nomeação expedidos pelo Chefe do Poder Executivo, à luz do critério das considerações relevantes e do princípio da racionalidade. Revista Digital de Direito Administrativo, Ribeirão Preto (SP), v. 3, n. 2, p. 296-330, jul.-dez. 2016.