quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

A interpretação gramatical do art. 156, § 2.º, inciso I, da CF/88 (imunidade do ITBI): nesses, nestes ou aqueles?

 “[…] 3.2 A interpretação gramatical do art. 156, § 2.º, inciso I, da CF/88

Na óptica de Kiyoshi Harada, a 1.ª parte do inciso I do § 2.º do art. 156 da CF/88 “refere-se à imunidade autoaplicável” ou incondicionada, enquanto que a 2.ª parte do mesmo inciso “corresponde à imunidade condicionada”, levando em conta que, nesta segunda hipótese, “para a sua fruição o adquirente não poderá ter como atividade preponderante a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil” (HARADA, 2011, p. 90).

Similar conclusão elabora Guilherme Traple:

Após o fragmento de texto transcrito, temos uma vírgula e então o vocábulo “nem”. “Nem” é uma conjunção aditiva, a união da conjunção aditiva “e”, que exprime uma ideia de soma, com o advérbio de negação “não”. Portanto, gramaticalmente, não haverá alteração no sentido de substituirmos “nem” por “e não”.

Ou seja, o vocábulo “nem” divide o dispositivo legal, criando situações distintas.

Destacou-se também o termo “nesses casos”. “Nesses” é a contração da preposição “em”, sendo que as preposições exprimem a ideia de lugar, e do pronome demonstrativo “esse”, em sua forma plural, “esses”.

O termo “esses” é utilizado, no português culto, para retomar uma ideia já mencionada – é uma anáfora – está, necessariamente, ligada aos termos que o antecedem. Então, o vocábulo “nesses casos”, contido no texto legal limita o alcance do que da exceção que o sucede aos casos que o antecedem.

Retoma-se então o texto legal: e não incide “sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil”.

Como se pode ver, os casos que estão depois da conjunção aditiva “nem”, que, conforme dito anteriormente, separa o texto em duas hipóteses, e antecedem o vocábulo “nesses casos” são os casos de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, desta forma, a exceção à imunidade somente é aplicável nesses casos.

Assim, o ITBI não incide: (a) sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital; e (b) sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nos casos de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil.

Portanto, pela simples leitura do inciso I do parágrafo 2º do artigo 156 da CFRB/1988, pode-se concluir que a transmissão de bens ou direitos reais sobre bens imóveis à pessoa jurídica em realização de capital é absolutamente imune à cobrança [de] ITBI, não havendo qualquer exceção. (TRAPLE, 2012, p. 88-89).

Mencione-se, ainda, o posicionamento pessoal de Irineu Mariani (que, na atualidade, conforme anotado em nota de rodapé pretérita, curva-se, como Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, à corrente doutrinário-jurisprudencial majoritária, pela sujeição da realização de capital societário ao critério da preponderância):

Quisesse o inciso I do § 2º do art 156 se referir a todas as hipóteses nele mencionadas, inclusive a realização de capital social, não teria usado a expressão nesses casos após mencionar as hipóteses de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, explicitando que apenas nesses casos — entenda-se, casos de fusão, incorporação, cisão ou extinção — é que se considera a atividade preponderante. […] (RIO GRANDE DO SUL, 2017p, grifo do autor em negrito substituído por grifo em itálico)

Em sentido diverso se manifesta Roque Antonio Carrazza, para o qual as imunidades tanto da 1.ª parte quanto da 2.ª parte do inciso I do § 2.º do art. 156 da CF/88 “caem por terra se a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, a locação de bens imóveis ou o arrendamento mercantil (leasing imobiliário)” (CARRAZZA, 1996, p. 97-98, grifo do autor).

Carlos Eduardo Makoul Gasperin também subordina a imunidade quanto à realização de capital ao critério da preponderância:

Na parte final do dispositivo percebe-se que o constituinte determinou uma exceção à regra da imunidade e, por consequência, uma autorização à tributação que pode assim ser traduzida: “poderá haver a tributação pelo ITBI se os bens transmitidos em razão de integralização[1]realização de capital, cisão, fusão, incorporação, extinção destinarem-se a pessoas jurídicas cujas atividades preponderantes estejam ligadas ao ramo imobiliário”. (GASPERIN, 2014, p. 745, grifo nosso)

No campo da Gramática Normativa, Domingos Paschoal Cegalla esclarece que o pronome demonstrativo esse e essa “realçam o termo a que se referem, anteriormente expresso” (CEGALLA, 2008, p. 163).

Nesse sentido, Miriam Margarida Grisolia e Renata Carone Sborgia explicam que os pronomes demonstrativos esseessaessesessas e isso “indicam algo que já foi dito anteriormente” (GRISOLIA; SBORGIA, 2007, p. 123).

Colaciona-se, nessa vereda, o magistério José Maria da Costa, ao aduzir que, “no interior da frase, istoeste e esta se referem ao que se vai dizer, enquanto issoesse e essa se relacionam ao que já se disse” (COSTA, 2013, p. 604, grifo do autor).

Já os pronomes também demonstrativos aqueles e estes, ainda de acordo com Cegalla, servem para distinguir entre o que foi mencionado em primeiro lugar (aqueles) e o que foi citado por último (estes): “Quando estes pronomes ocorrem na mesma frase, este refere-se ao subst. mais próximo e aquele, ao mais afastado […]” (CEGALLA, 2008, p. 164, grifo do autor).

Em outros termos, afirma José Maria da Costa que, “no interior da frase, este se refere ao elemento anterior mais próximo; aquele, ao mais distante.” (COSTA, 2013, p. 604, grifo do autor)

Idêntica ensinança se extrai da obra de Celso Cunha e Lindley Cintra: “Quando queremos aludir, discriminadamente, a termos já mencionados, servimo-nos do demonstrativo aquele para o referido em primeiro lugar, e do demonstrativo este para o que foi nomeado por último.” (CUNHA; CINTRA, 2007, p. 334, grifo dos autores)

Tal ensinamento igualmente abraçam Grisolia e Sborgia: “Para retomar dois elementos anteriormente citados no texto, usa-se este para o elemento citado por último e aquele para o elemento citado primeiro.” (GRISOLIA; SBORGIA, 2007, p. 123, grifo das autoras com sublinhado substituído por itálico).

Sintetiza Jaci Santos de Souza, ao ensinar que este(a) isto concernem “ao elemento mais próximo”, ao passo que aquele(a) e aquilo relacionam-se “ao elemento mais distante” (SOUZA, 2016, p. 47, grifo do autor).

Portanto, a expressão “nesses casos”, entalhada no inciso I do § 2.º do art. 156 da CF/88, refere-se a todos os casos anteriormente explicitados naquele inciso, sem diferenciá-los entre estes e aqueles, isto é, sem distinguir entre os casos da sua 1.ª parte (“transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital”) e da sua 2.ª parte (“transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica”) (BRASIL, 2017d).

Se houvesse o intento do legislador constitucional de firmar contraste entre a 1.ª e a 2.ª partes do inciso I do § 2.º do art. 156 da CF/88, a fim de excluir o critério da preponderância no tocante às hipóteses de realização de capital e restringi-lo às hipóteses de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, teria consignado “salvo se, nestes casos [e não nesses casos], a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda destes [e não desses] bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil”.

Por tais motivos, assiste razão ao voto condutor pronunciado pelo Desembargador-Relator Almir Porto da Rocha Filho, em 12 de abril de 2017, nos autos da Apelação Cível e Reexame Necessário n.º 70072970874, na 21.ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, ao frisar que a “expressão ‘nesses casos’, entre vírgulas, contempla as duas situações previstas no inciso” em referência (RIO GRANDE DO SUL, 2017s, grifo do autor em negrito substituído por grifo nosso em itálico). […]”


[1] Em realidade, na contextura da norma imunizante em comento, mostra-se despiciendo invocar, como categoria autônoma, a integralização de capital, porque a expressão “realização de capital”, empregada pelo legislador constituinte, diz respeito à integralização de capital, conforme alumia Herbert Morgenstern Kugler, citado em passagem pretérita deste estudo (KUGLER, 2011, p. 210).

Leia o artigo completo: A incidência de ITBI em relação a pessoas jurídicas inativas, à luz dos critérios da preponderância imobiliária e da finalidade constitucional.

Como citar a referência bibliográfica: FROTA, Hidemberg Alves da. A incidência de ITBI em relação a pessoas jurídicas inativas, à luz dos critérios da preponderância imobiliária e da finalidade constitucional. Âmbito Jurídico, Rio Grande, v. 20, n. 167, dez. 2017. Também publicado em Revista Síntese Direito Imobiliário, São Paulo, v. 8, n. 48, p. 97-135, nov.-dez. 2018.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2021

A imunidade tributária dos templos rosa-cruzes da AMORC

"[...] Examinando-se a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, constatou-se que o STF amplia o conceito de templo, para além do local físico da prática do culto, quando se trata de instituições religiosas, e, ao mesmo tempo, nas circunstâncias pertinentes a templos iniciáticos (maçonaria e rosa-cruz), afunila a amplitude tributário-constitucional do vocábulo, por entender que, embora o poder constituinte originário tenha se referido a cultos de maneira genérica, o legislador constitucional quis se reportar tão só aos templos de cariz assumidamente religioso.

Por outro lado, percebeu-se que o aspecto central da imunidade tributária dos “templos de qualquer culto” radicada no artigo 150, inciso VI, alínea b, e § 4.º, da CFRB, não deve ser o culto a uma religião, e sim o culto do ser humano a Deus ou a entes análogos de cunho transcendental e extrafísico (divindades, forças cósmicas ou elementos da natureza), por meio de uma instituição religiosa ou não, que tenha nisso a sua finalidade essencial e assim proceda destituída de fins lucrativos.

Inferiu-se que, conquanto a AMORC e demais ordens rosa-cruzes e outras sociedades iniciáticas, de caráter hermético e/ou secreto, precederam aos movimentos da Nova Era emergidos na segunda metade do século XX em diante, porém passaram a ser enquadradas, pelas Ciências da Religião, nesse mosaico de grupos, instituições e movimentos da New Age, devido às similitudes holísticas e interesses convergentes a título de uma senda de espiritualização para além do formato religioso tradicional.

Constatou-se que os templos rosa-cruzes da AMORC contemplam os quatro requisitos basilares de “templos de qualquer culto” a ensejarem, segundo Carrazza, a salvaguarda da imunidade tributária em comento, ou seja, (a) os adeptos da AMORC compartilham da crença na divindade, (b) a AMORC possui contingente significativo de adeptos, de abrangência mundial, e, em sua doutrina, divulgada por meio de monografias, revistas e outras publicações, constam procedimentos específicos para o culto a Deus, por meio de meditações individuais ou coletivas e cerimônias coletivas de cariz iniciático, (c) a AMORC, nos países que contam com os seus templos iniciáticos, compõe-se de uma estrutura organizacional formalizada no mundo jurídico, constituída pelos chamados “organismos afiliados” (além das lojas e capítulos, pronaoi e heptadas martinistas) e quadro dirigente próprio (encabeçado pelo Imperator e pelos Grãos-Mestres), e, além disso, (d) a AMORC é uma organização internacional dotada de estabilidade e do ânimo de perenidade. [...]"

Leia o artigo completo: A imunidade dos templos rosa-ruzes da AMORC.

Como citar a referência bibliográfica: FROTA, Hidemberg Alves da. A imunidade  dos templos rosa-cruzes da AMORC. Revista Leopoldianum, Santos, v. 47, n. 133, p. 29-52, out.-dez. 2021. Disponível em: https://periodicos.unisantos.br/leopoldianum/issue/view/116/66. Acesso em: 6 nov. 2021.



sábado, 27 de novembro de 2021

 

A universalidade dos direitos humanos no mundo muçulmano

“[…] Resumo: Este trabalho se debruça sobre polêmicas hodiernas concernentes aos direitos humanos no mundo islamita, identificando-se, antes, parâmetros elementares sobre o Direito muçulmano. Neste artigo, averígua-se tanto a repercussão na comunidade islâmica da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, quanto a Declaração do Cairo sobre os Direitos Humanos no Islã de 1990. Medita-se, ainda, acerca da liberdade religiosa nos Estados de maioria muçulmana e se indaga se o federalismo comunitário representaria meio de se aprimorar a deferência aos direitos humanos em países de maioria islâmica onde grassam conflitos étnico-religiosos. […]”

Leia o artigo completo: A universalidade dos direitos humanos no mundo muçulmano.

Como citar a referência bibliográfica: A universalidade dos direitos humanos no mundo muçulmano. Anuario Mexicano de Derecho Internacional, México, D.F., v. 6, n. 1, p. 63-88, ene.-dic. 2006. Disponível em: https://revistas.juridicas.unam.mx/index.php/derecho-internacional/article/view/150/237. Acesso em: 27 nov. 2021.

 

Motivação do ato de nomeação de agentes políticos, em caso de indícios fundados de déficit de idoneidade moral e reputação ilibada

Leia o artigo completo: Motivação do ato de nomeação de agentes políticos, em caso de indícios fundados de déficit de idoneidade moral e reputação ilibada.

Como citar a referência bibliográfica: FROTA, Hidemberg Alves da. A motivação dos atos de nomeação de agentes políticos, em caso de indícios fundados de déficit de idoneidade moral e reputação ilibada. Revista Jurídica UNIGRAN, Dourados, v. 18, n.º 35, p. 113-137, jan.-jun. 2016. Disponível em: https://www.unigran.br/dourados/revista_juridica/ed_anteriores/35/artigos/artigo07.php. Acesso em: 27 nov. 2021.

 

“Actio libera in causa” e Código Penal espanhol


actio libera in causa no Código Penal espanhol de 1995: breves considerações[1]

Hidemberg Alves da Frota


 

No decenário[2] (ano-base: 2005) do Novo Código Penal da Espanha merece ser lembrado o seu valioso contributo à plena positivação e revitalização da actio libera in causa no ordenamento jurídico espanhol, fenômeno decorrente de mazela social universal e atualíssima: o galopante aumento — alerta Maria Del Mar Díaz Pita — da execução de delitos alusivos “ao consumo e tráficos de drogas”[3] e, por conseguinte, o desafio conferido à Justiça Criminal de “valorar acertadamente”[4] os “estados de intoxicação e abstinência”[5] relacionados ao uso de tóxicos.

O art. 20.2º do Código Penal espanhol, a Lei Orgânica nº 10/1995, de 23 de novembro — CP/95[6], isenta de responsabilidade criminal quem executa delito estando intoxicado por completo, em decorrência do consumo de substâncias produtoras de tal estado: bebidas alcoólicas, drogas tóxicas, estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou outras de efeito análogo.

Para tanto, necessário o agente contemplar algum destes três requisitos: (1) ter se intoxicado sem a intenção de cometer o ilícito penal; (2) ter se intoxicado sem prever ou sem ter condições de antever o advento da infração penal; (3) ter se intoxicado sob a influência da síndrome de abstinência, deflagrada pelas mencionadas substâncias tóxicas, o que o impediu de compreender a ilicitude do fato típico praticado ou de atuar conforme essa compreensão.

Artículo 20.

Están exentos de responsabilidad criminal:

[…]

2º) El que al tiempo de cometer la infracción penal se halle en estado de intoxicación plena por el consumo de bebidas alcohólicas, drogas tóxicas, estupefacientes, sustancias psicotrópicas u otras que produzcan efectos análogos, siempre que no haya sido buscado con el propósito de cometerla o no se hubiese previsto o debido prever su comisión, o se halle bajo la influencia de un síndrome de abstinencia, a causa de su dependencia de tales sustancias, que le impida comprender la ilicitud del hecho o actuar conforme a esa comprensión.

[…]

Artigo 20.

São isentos de responsabilidade criminal:

[…]

2º) Quem, no momento de praticar a infração penal, encontra-se em estado de intoxicação plena por consumo de bebidas alcoólicas, drogas tóxicas, estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou outras que produzem efeitos análogos, sempre que não tenha sido buscado com o propósito de cometê-la ou não houvera previsto ou devia prever sua prática, ou esteja sob a influência de uma síndrome de abstinência, por causa de sua dependência de tais substâncias, que o impede de compreender a ilicitude do fato ou atuar conforme a essa compreensão.

[…]

Albergada pelo art. 20.2º do CP/95, a possibilidade de ingestão de bebidas alcoólicas encetar “estado de inconsciência apto a anular a capacidade de compreensão e de autodeterminação”[7] recebe de Francisco Assis de Toledo relevantes ponderações atinentes a infrações penais dolosas. Se, por um lado, frisa que o estado de inconsciência pleno estimulado pelo álcool, em geral, prostra o indivíduo e, em consequência, impossibilita “ações mais graves totalmente fora do domínio da vontade”[8], reconhece que, nos crimes dolosos omissivos. “os efeitos do estado letárgico”[9] podem ensejar a “inimputabilidade transitória”[10].

Apesar de acolher a apontada causa de exclusão de culpabilidade, o Código Penal espanhol de 1995, no parágrafo segundo do art. 20.1º, não exime de pena o agente que realiza o delito sob o efeito de transtorno metal transitório, se ele se pôs nesse estado alterado de consciência a fim de praticar o ilícito penal ou se, mesmo sem almejar executar o injusto penal, sabia do resultado ou a ele cabia prevê-lo.

Artículo 20.

Están exentos de responsabilidad criminal:

1º) […]

El trastorno mental transitorio no eximirá de pena cuando hubiese sido provocado por el sujeto con el propósito de cometer el delito o hubiera previsto o debido prever su comisión.

Artigo 20.

São isentos de responsabilidade criminal:

1º) […]

O transtorno metal transitório não eximirá de pena quando houver sido provocado pelo sujeito com o propósito de praticar o delito ou houvera previsto ou devia prever sua prática.

Assim, o parágrafo segundo do art. 20.1º do CP/95 consagra o que Narcélio de Queirós chama de conceito moderno de actio libera in causa:

São os casos em que alguém, no estado de não imputabilidade[11], é causador, por ação ou omissão, de algum resultado punível, tendo se colocado naquele estado, ou propositadamente, com a intenção de produzir o evento lesivo, ou sem essa intenção, mas tendo previsto a possibilidade do resultado, ou, ainda, quando a podia ou devia prever.[12]

actio libera in causa “tem por objeto situações de autoincapacitação temporária”[13] — explica Juarez Cirino dos Santos —, “nas quais o autor, no estado anterior de capacidade de culpabilidade, determina a cadeia causal do fato punível, realizado no estado posterior de incapacidade de culpabilidade”[14].

Trata-se de exceção na teoria do delito, cujas categorias usualmente “se referem ao momento da prática do fato”[15]. Em regra, verifica-se a culpabilidade do autor “ao momento da prática do fato”[16]. Já na actio libera in causa, “considera-se também imputável o sujeito que, no momento de praticar seus atos, não era imputável,”[17] — frisa Francisco Muñoz Conde — “mas o era no momento em que pensou cometê-los ou pôs em marcha o processo causal que desembocou na ação típica”[18].

A formulação do princípio da actio libera in causa calçado no CP/95 abrange hipóteses de dolo direto, dolo eventual, culpa consciente e culpa inconsciente, cujos conceitos restam didaticamente explicados por Antônio José Fabrício Leiria.

No dolo direito, o agente se intoxica “propositadamente para cometer um delito”[19], almejando executá-lo com mais desenvoltura ou se beneficiar de atenuante[20]. No dolo eventual, intoxica-se cônscio da possibilidade de praticar ilícito penal “e, mesmo assim, torna-se indiferente ao surgimento ou não do fato, assumindo o risco de produzi-lo”[21]. Enquanto no dolo direto quer corporificar a infração penal cogitada, no dolo indireto não se importa em materializá-la.

Na culpa consciente, intoxica-se convicto de que a futura e previsível ocorrência do ilícito penal malogrará. Já na culpa inconsciente, intoxica-se porque sua imprudência, negligência ou imperícia o obstam de “prever o previsível”[22]. Em ambas as culpas, não se deseja concretizar o desdobramento danoso.

Consoante ensina Claus Roxin, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal alemão demonstra que os casos de actio libera in causa dolosa são poucos frequentes. Todavia, mostram-se habituais as circunstâncias em que “o autor se coloca em um estado de embriaguez”[23], embora experiências desagradáveis anteriores lhe permitissem prenunciar o risco desse estado alterado de consciência  acarretar “determinadas consequências ilícitas”[24].


[1] Versão original deste artigo: FROTA, Hidemberg Alves da.   A actio libera in causa no Código Penal espanhol de 1995. Gazeta Juris, Rio de Janeiro, n. 5, mai.-jun. 2006. CD-ROM; Juris Plenum, Caxias do Sul, v. 2, n. 99, mar. 2008. 2 CD-ROM. (Parte integrante da Revista Jurídica Juris Plenum — ISSN 1807-6017.) Revisado em 24 de dezembro de 2010. Também disponível na plataforma PDF.

[2] Artigo escrito em julho de 2005.

[3] PITA, Maria del Mar Díaz. Actio libera in causa, culpabilidad y Estado de Derecho. Valencia: Tirant lo Blanch, 2002, p. 17.

[4] Ibid., loc. cit.

[5] Ibid., loc. cit.

[6] ESPANHA. Código Penal (1995). Disponível em: http://2ni2.com/juridico/penal/codigopenal.htm. Acesso em: 30 jun. 2005.

[7] TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 326.

[8] Ibid., loc. cit.

[9] Ibid., p. 327.

[10] Ibid., loc. cit..

[11] Ortografia adaptada ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa assinado em 16 de novembro 1990, vigente, no Brasil, desde 1º de janeiro de 2009, por força do art. 2º, caput, do Decreto nº 6.583, de 29 de setembro de 2008. As normas ortográficas novas e pretéritas coexistirão durante o período de transição (1º de janeiro de 2009 a 31 de dezembro de 2012), conforme determina o art. 2º, parágrafo único, do precitado Decreto Presidencial.

[12] QUEIRÓS, Narcélio de. Teoria da “actio libera in causa” e outras teses. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1963, p. 37.

[13] SANTOS, Juarez Cirino dos. A moderna teoria do fato punível. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 2000, p. 223.

[14] Ibid., loc. cit.

[15] MUÑOZ CONDE, Francisco. Teoria geral do delito. Porto Alegre: SAFE, 1988, p. 151.

[16] Ibid., loc. cit.

[17] Ibid., p. 152-153.

[18] Ibid., p. 153.

[19] LEIRIA, Antônio José Fabrício. Fundamentos da responsabilidade penal. Rio de Janeiro: Forense, 1980, p. 257.

[20] QUEIRÓS, Narcélio de. Op. cit., p. 13.

[21] LEIRIA, Antônio José Fabrício. Op. cit., p. 257.

[22] Ibid., loc. cit.

[23] ROXIN, Claus. Observaciones sobre la actio libera in causaAnuario de Derecho Penal y Ciencias Penales, Madrid, v. 41, nº 1, ene.-abr. 1988, p. 26.

[24] Ibid., loc. cit.

 

Culpabilidade, proporcionalidade e necessidade concreta da pena

Themis 2

“[…] 1. Do ponto de vista da Teoria Geral do Direito Público, o princípio tridimensional da proporcionalidade assim se compõe:

1.1 Dimensão da adequação. Cogita-se o ato estatal, em dada situação, apto ao alcance ou ao fomento de determinada finalidade legal de interesse público.

1.2 Dimensão da necessidade. Dentre os atos estatais adequados, escolhe-se o menos ofensivo aos bens, interesses e direitos sacrificados em certa circunstância.

1.3 Dimensão da proporcionalidade em sentido estrito. Avalia-se se, em dado contexto, os benefícios aos bens, interesses e direitos priorizados superam os efeitos nocivos sobre os bens, interesses e direitos lícitos preteridos.

2 Ao orientar o julgador acerca da necessidade concreta da pena, as dimensões da proporcionalidade adquirem tonalidades peculiares à ambiência da dogmática penal, matizando a apreciação da culpabilidade (dimensão da adequação) com o posterior exame da indispensabilidade preventiva da pena (dimensão da necessidade) e, em seguida, com a análise da relação custo-benefício, por meio do contraste entre os efeitos positivos e negativos da imposição da pena (dimensão da proporcionalidade em sentido estrito).

3 Em sede do estudo da necessidade concreta da pena, a dimensão da adequação expressa o juízo de reprovação penal na ótica da culpabilidade finalista, presente quando incide sobre autor de fato típico e antijurídico, em razão dessa pessoa (um imputável), por meio de conduta omissiva ou comissiva, ter optado contrariar o Direito, quando podia e devia respeitá-lo e o respeitaria, se houvesse agido de forma distinta e ajustada à ordem jurídica. Ventríloquo do princípio da culpabilidade, a pedra de toque dessa formulação da dimensão da adequação reside na exigibilidade de conduta diversa e, por conseguinte, no poder-agir-de-outro-modo, considerados os parâmetros usualmente indicados pela experiência humana, conjugados com a análise do caso concreto, averiguando-se se havia condições cognoscíveis mínimas para o agente esboçar comportamento diferente e ajustado à ordem jurídica, o que significa, inclusive, atestar-se a presença de condições cognoscíveis mínimas para que o autor, à época, tivesse (e antes houvesse buscado obter) a consciência da ilicitude do fato, tendo-se por parâmetro a análise conjunta das peculiaridades do sujeito ativo do injusto, da situação com a qual deparou e das balizas da experiência social.

4 No âmbito do exame da necessidade concreta da pena, a dimensão da necessidade perscruta a indispensabilidade preventiva da sanção penal. Emoldurado pela medida da culpabilidade, o campo de incidência da prevenção geral positiva limitadora se delineia, tendo como máximo, o teto inexcedível da culpabilidade, e, como mínimo, o estritamente essencial ao resguardo de valores, bens e direitos fundamentais (não apenas de estatura constitucional como também de extrema relevância jurídico-penal) violados. Dentro de tais limites, ou seja, circunscrita às balizas da prevenção geral positiva limitadora, atua a prevenção especial, que definirá, por último, a medida da pena, devendo conferir preponderância à prevenção especial positiva (que deve se voltar à harmônica integração social do delinquente), salvo quando a ausência de perspectivas fundadas do potencial ressocializador da pena permitir apenas se ponderar quanto à indispensabilidade quer da intimidação do apenado, quer, em caso de pena de privativa de liberdade, de sua temporária retirada do convívio social. Reconhece-se que, dentre os plausíveis efeitos da aplicação da pena ao caso concreto, pode, de fato, haver efeito intimidativo geral, ainda que parcial.

5 Na análise acerca da necessidade concreta da pena, a dimensão da proporcionalidade stricto sensu insta o julgador a refletir se a aplicação da pena trará ou não à sociedade benefícios superiores aos malefícios a serem causados à integridade física, psíquica e moral do réu, em face da execução da sanção penal, máxime em se tratando de pena privativa de liberdade, considerando, neste caso, os eventuais custos dos setores público e privado com a manutenção do egresso no cárcere e com o seu retorno ao seio da coletividade e, por outro lado, o impacto social da ausência de aplicação da pena de prisão. Ao sopesar os aspectos favoráveis e desfavoráveis da execução da sanção penal, o julgador deve conferir primazia (peso maior) à necessidade (ressaltada amiúde, pela jurisprudência penal portuguesa e pelo magistério de Jorge de Figueiredo Dias) de tutela dos bens jurídicos violados e de se estabilizarem, de forma contrafática, as expectativas da sociedade na vigência das normas jurídicas ofendidas, de modo que, respeitada a barreira intransponível da culpabilidade, a punição penal contenha (sirva de última barreira de contenção de) o ímpeto extraestatal (da sociedade, da vítima e dos afetos de sua alma) de praticar a vingança, de arrogar para si a incumbência de exercício arbitrário das próprias razões ou da autotutela. Não se deve ignorar, no caso concreto, a frequente necessidade, por vezes premente, de defender a ordem jurídica afrontada, máxime na atual sociedade brasileira, em que existe clamor popular acentuado pela atuação diligente do dever-poder punitivo do Estado, em meio à crença generalizada (por vezes, catalisada pela desinformação jurídica e sensacionalismo da mídia) de que predomina no País a impunidade — percepção coletiva (incentivada pelos “formadores de opinião”) a fomentar e legitimar, socialmente, os procedimentos ilícitos de repressão à criminalidade (a exemplo de milícias, de “esquadrões da morte”, de “matadores de aluguel” e do porte de armas por empresários e profissionais liberais), os quais acabam por galvanizar o fator criminógeno do caldo cultural das metrópoles brasileiras, um movimento de retroalimentação da violência. Em todo caso — cabe enfatizar —, denota-se inultrapassável a muralha da culpabilidade.

6 Embora, na atualidade, afigure-se de difícil aplicabilidade parcela considerável das reflexões fomentadas neste trabalho monográfico, as questões versadas e as balizas planteadas prenunciam desafios com os quais os cientistas do Direito Penal, os legisladores, a magistratura e a sociedade em geral terão de enfrentar, à medida que a evolução planetária em torno da humanização de valores, paradigmas e expectativas sociais exigirem novos olhares, questionamentos e formulações relativas à necessidade concreta da pena, movimento de renovação e reciclagem com o qual se buscou contribuir, por meio das achegas atrás lançadas. […]”

Trata-se das conclusões da versão revisada em 2010 de artigo jurídico de nossa autoria originalmente publicado na segunda metade da década passada.

Veja aqui a revisão revisada do referido artigo jurídico.

Como citar a referência bibliográfica dessa redação revisada e ampliada: FROTA, Hidemberg Alves da. A necessidade concreta da pena, à luz do princípio tridimensional da proporcionalidade. Revista Jus Navigandi, Teresina, v. 16, n.º 3.050, 7 nov. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20384. Acesso em: 25 fev. 2019.

Veja aqui a versão original de tal artigo jurídico.

Como citar a referência bibliográfica da versão original: FROTA, Hidemberg Alves da. A necessidade concreta da pena, à luz do princípio tridimensional da proporcionalidade. Anuario de Derecho Constitucional Latinoamericano, Montevideo, v. 14, n. 1, p. 243-281, ene.-dic. 2008.

 

Reaquisição de nacionalidade brasileira: ato discricionário ou vinculado?

passaportebrasileiro

Veja aqui artigo que escrevemos sobre a controvérsia em torno da reaquisição de nacionalidade brasileira a fim de evitar a apatridia, por força da superveniente perda de nacionalidade estrangeira.

Como citar esta referência: FROTA, Hidemberg Alves da. Reaquisição da nacionalidade brasileira: ato discrionário ou vinculado? Revista Jurídica Consulex, Brasília, DF, v. 8, n. 185, p. 63-64, 30 set. 2004.

 

Conexão racional e proporcionalidade

"[…] 3.4 Conexão racional e proporcionalidade

A doutrina judicial hard look (“hard look doctrine”), igualmente denominada de revisão judicial hard look (“hard look review”), é empregada, na atualidade, como sinônimo do controle judicial da ação administrativa arbitrária e caprichosa (“arbitrary and capricious review”), relativa ao regime jurídico da Administrative Procedure Act – APA (a Lei do Processo Administrativo Federal dos Estados Unidos, vigente desde 11 de junho de 1946), construção pretoriana cujo embrião nasceu do até hoje existente critério jurisprudencial da conexão racional (“rational connection”), que remonta à jurisprudência norte-americana pretérita à APA, prevalecente no decorrer das suas duas primeiras décadas de vigência (anos 1940 e 1950), período em que o controle judicial das agências circunscrevia-se à aferição da presença de um mínimo nexo de plausibilidade entre o propósito permitido pela ordem jurídica (“permissible goal”) e os meios escolhidos para se atingir tal fim (HARVARD LAW REVIEW, 2015, p. 1.910-1.915; VIRELLI III, 2015, p. 722-733, 758-760)[1].

Administrative Procedure Act

A concepção de Yacoob do teste da racionalidade assemelha-se também às plurívocas expressões dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

Ao examinarem os julgados das Cortes Constitucionais da Coreia do Sul e de Taiwan relacionados à revisão judicial da ação administrativa, por meio do princípio da proporcionalidade, Cheng-Yi Huang e David S. Law ressaltam que uma parcela de tais acórdãos de ambos os Tribunais Constitucionais adscreve-se a lançar mão, a título de controle de racionalidade, de uma versão do teste da adequação de aspecto rudimentar (“rough equivalent of rational basis scrutiny”), no caso sul-coreano, ou, no caso taiwanês, vago (“loose version of the test that considers merely whether the law in question is arbitrary or lacks a rational connection with the legislative purpose”) (HUANG; LAW, 2015, p. 14, 20-21, grifo nosso).

No Brasil, Valeschka e Silva Braga, ao dissertar sobre a concepção tripartite do princípio da proporcionalidade (dividida em adequação ou idoneidade, necessidade ou exigibilidade e proporcionalidade em sentido estrito), de matriz alemã, preconiza, no âmbito da adequação, seja perquirida a presença de “uma causalidade real e racional entre o meio e o fim”, para que se verifique se foram “observadas as condições físicas e lógicas para a inquirição da compatibilidade” (BRAGA, 2008, p. 112, grifo nosso).

proporcionalidade razoabilidade valeschka

Em Portugal, Jorge Miranda, adepto da tripartição do princípio da proporcionalidade em necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito (ordem diversa, dessarte, da usual sequência adequação, necessidade e proporcionalidade stricto sensu), insere no subprincípio da adequação a “correspondência de meios a fins”, mas nomina de “racionalidade ou proporcionalidade stricto sensu” o terceiro subprincípio, enxergando-o como a expressão da “justa medida”, (1) a implicar a “correta avaliação da providência em termos quantitativos (e não só qualitativos)”[2] e (2) a significar, ainda, não ficar aquém nem além “do que importa para se obter o resultado devido” (MIRANDA, 2000, p. 207, grifo do autor).

jorge miranda manual

Na Itália, Marcello Clarich vislumbra essa concepção tridimensional do princípio da proporcionalidade de raiz germânica como uma particularidade ou especificação (“una specificazione”) do princípio da razoabilidade (“principio di ragionevolezza”), de feição mais genérica (“ancora più generale”) e origem pré-jurídica (“di natura in realtà pregiuridica”). Para o administrativista peninsular, o princípio da razoabilidade deriva da teoria da escolha racional (“teoria delle scelte razionali”), segundo a qual a Administração Pública (à semelhança dos agentes econômicos) é capaz “de perseguir determinados objetivos”, ao encetar ações lógicas, coerentes e funcionais (CLARICH, 2013, p. 154-155).

No Canadá, a Suprema Corte, no acórdão-paradigma do caso R. v. Oakes[3], ao interpretar a Carta de Direitos e Liberdades canadense[4], delineou, no § 70 daquele aresto, formulação tridimensional do princípio da proporcionalidade na qual, a título de primeiro teste, averígua-se se “as medidas adotadas foram cuidadosamente concebidas para se atingir o objetivo em questão”, tendo-se em perspectiva o mister de que haja “conexão racional com o objetivo”, vedando-se aquelas “arbitrárias, injustas ou baseadas em considerações irracionais” (CANADÁ, 2015b, grifo nosso; ENDICOTT, 2015, p. 96; FOLEY, 2015, p. 74-75). A proporcionalidade trina, tal como ventilada no caso R. v. Oakes, foi invocada pela Suprema Corte da Irlanda no igualmente paradigmático julgamento de Heaney v. Ireland[5] (FOLEY, 2015, p. 74-75).

Canadian Charter

Em Israel, Aharon Barak, no controle de constitucionalidade da legislação infraconstitucional, decompõe, de modo quadripartite, o princípio da proporcionalidade, nos testes (1) da finalidade adequada (“proper purpose”), (2) da conexão racional (“rational connection”), (3) da necessidade (“necessity”) e (4) da proporcionalidade em sentido estrito (“proportionality stricto sensu) ou balanceamento (“balancing”) (BARAK, 2012, p. 245-378).

aharon proportionality

A conexão racional, na visão do ex-Chief Justice da Suprema Corte israelense, concerne à congruência entre a restrição a direitos constitucionais imposta pela legislação[6] e a finalidade a que visa o respectivo ato normativo, a fim de que as limitações normativas ao exercício de direitos constitucionais configurem meios racionais, para que se aumente a probabilidade de alcance ou de fomento do propósito normativo subjacente (“[…] can realize or advance the underlying purpose of that law”; that the use of such means would rationally lead to the realization of the law´s purpose” […] “that the means chosen be pertinent to the realization of the purpose in the sense that the limiting law increases the likelihood of realizing its purpose”) (BARAK, 2012, p. 303).

O constitucionalista indiano Madhav Khosla estampa a mesma divisão tetrapartite de Barak do teste da proporcionalidade, posicionando no segundo subteste o questionamento relativo à “conexão racional entre a medida e o seu desiderato” (KHOSLA, 2015, p. 299, grifo nosso).

No Reino Unido, o princípio da proporcionalidade, no regime jurídico da Lei de Direitos Humanos[7], também adquire fisionomia quadripartite, em que, no segundo questionamento, indaga-se se as medidas estatais projetadas para se atender dado objetivo legislativo encontram-se “racionalmente conectadas a ele” (WADE; FORSYTH, 2014, p. 307, grifo nosso).

Human Rights Act UK

[1] Segundo Peter Cane, a revisão judicial, com espeque na abordagem norte-americana da doutrina judicial hard look, concita os administradores públicos a comprovarem que consideraram todas as relevantes evidências disponíveis e que a decisão administrativa adotada foi, de acordo com tais evidências, um meio racional de alcançar os objetivos que nortearam, na situação examinada, o exercício da discricionariedade administrativa: “Hard-look review requires administrators to show that they have considered all relevant available evidence and that the decision made is, in the light of that evidence, a rational way of achieving the objectives of the discretion.” (CANE, 2011, p. 174, grifo nosso)

peter cane administrative law

[2] Citação adaptada ao português brasileiro.

[3] Numeração oficial: R v. Oakes [1986] 1 SCR 103 (CANADÁ, 2015b).

[4] Mais conhecido como Canadian Charter of Rights and Freedoms ou La Charte canadienne des droits et libertés, corporificado na Lei Constitucional de 1982 (CANADÁ, 2015a).

[5] Numeração oficial: [1994] 3 I.R. 593 (FOLEY, 2015, p. 74).

[6] Em tal conjuntura (BARAK, 2012, p. 303-304), o vocábulo law compreende o conjunto da legislação: não apenas as leis formais (statutes), como também os demais atos estatais normativos, tais quais os regulamentos.

[7] Mais conhecido como Human Rights Act 1998 (REINO UNIDO, 2015). […]"

Leia o artigo completo: O caso Simelane: o controle judicial dos atos de nomeação expedidos pelo Chefe do Poder Executivo, à luz do critério das considerações relevantes e do princípio da racionalidade.

Como citar a referência bibliográfica: FROTA, Hidemberg Alves da. O caso Simelane: o controle judicial dos atos de nomeação expedidos pelo Chefe do Poder Executivo, à luz do critério das considerações relevantes e do princípio da racionalidade. Revista Digital de Direito Administrativo, Ribeirão Preto (SP), v. 3, n. 2, p. 296-330, jul.-dez. 2016.