Quarentena trienal para magistrados com pretensões políticas[1]
Hidemberg Alves da Frota
Sofrem implacável escrutínio da mídia e da opinião pública os magistrados às portas da aposentadoria ou da exoneração que sinalizam estarem cogitando iniciar ou retomar a carreira política para o momento posterior ao afastamento da função judicante que ora exercem.
Mesmo tendo conduta funcional proba, proferindo decisões judiciais alicerçadas à saciedade em ponderados e consistentes fundamentos técnico-jurídicos e possuindo longos anos de diligentes e honrados serviços prestados ao Poder Judiciário, a possibilidade de virem a ocupar (já na condição de magistrados inativos ou exonerados) cargos e funções de vulto nos Poderes Executivo ou Legislativo e/ou a exercer atividade político-partidária fomenta aos olhos da sociedade a “presunção da parcialidade”: qualquer ato decisório de sua lavra (máxime se disser respeito ao controle de atos do Poder Público e de partidos políticos) tende a ser visto pela coletividade (estimulada pelos meios de comunicação) como medida judicial direcionada a viabilizar a futura ocupação política do magistrado prestes a encerrar o ciclo de anos dedicados ao desempenho do múnus judicante.
À revelia do devido processo legal, a integridade moral desse segmento da magistratura propende a sofrer reiteradas afrontas dos meios de comunicação em geral, veiculadas por meio de insinuações que nem sempre primam quer pela prudência moral, quer pela percuciente investigação jornalística.
Muitas vezes, jornalistas conceituados estabelecem nexo causal entre a conduta funcional do magistrado prestes a deixar o juízo onde atua e suas supostas ambições políticas do porvir e afinidades políticas do pretérito, sem que tais profissionais do Jornalismo tragam à tona provas e indícios robustos para se comprovar a veracidade ou plausibilidade das teorias e especulações que se fazem cultores, por vezes mais baseadas em boatos maledicentes do que em fatos insofismáveis.
Independente da conduta funcional do magistrado, no momento em que os meios de comunicação divulgam seus projetos políticos de curto prazo (ou seja, os que serão considerados logo depois de efetivada a aposentadoria ou exoneração que brevemente ocorrerá), solapa-se em proporções relevantes a legitimidade do Poder Judiciário perante o senso crítico do corpo social e se corrói, aos olhos da opinião pública, a presunção de juridicidade e legalidade que deve emoldurar todo ato judicatório.
Acontece fenômeno indesejável e constrangedor: a partir do instante em que o magistrado (ainda em atividade) sinaliza o anseio de ingressar, em pouco tempo, nas (ou volver às) hostes políticas, a mídia, no frigir dos ovos, deixa de retratá-lo como imparcial membro do Poder Judiciário, no lídimo exercício de sua competência jurisdicional, e passa a enxergar nele o agente público que, informalmente, abandonou a impessoalidade do desempenho de seus deveres judiciais e se converteu em pré-candidato extraoficial a partícipe do intricado tabuleiro da articulação político-partidária pátria.
Embora inadmissível tolher-se o direito do magistrado, após a aposentaria ou exoneração, se tornar militante político-partidário, membro do Poder Legislativo, titular ou vice da Chefia de Poder Executivo ou, ainda, ocupar alto cargo executivo de assessoramento (por exemplo, Ministro de Estado, Secretário Estadual, Distrital ou Municipal), a prudência recomenda estipular-se, mediante emenda à Constituição da República, o prazo mínimo de 3 (três) anos de “quarentena”, antes que o magistrado aposentado ou exonerado possa efetuar atividade político-partidária e/ou assumir (nos Poderes Executivo e Legislativo) mandato eletivo ou cargo de provimento em comissão de cunho político, a título de medida voltada a minorar a possibilidade de que, enquanto estiver no exercício do múnus judicial, tenha seu decoro funcional sendo com frequência alvejado pela crônica política (em detrimento, também, da honorabilidade do Poder Judiciário), em face da pretensão de que, uma vez decorrida a aposentadoria ou a exoneração, continue a servir ao País, integrado à comunidade política, a qual, de fato, merece ser brindada com homens e mulheres lapidados pelo ofício judicante, por intermédio do qual, diuturnamente, são instados a condicionar sua conduta às balizas da juridicidade, legalidade, justiça, equidade, razoabilidade e ponderação de valores constitucionais.
Em suma, cuida-se de profilaxia a atenuar a possibilidade de que, enquanto estiver no exercício do múnus judicial, suas pretensões políticas prejudiquem, ao menos à luz da percepção da opinião pública, a presunção de que exerce a judicatura de modo imparcial e, assim, alvejem o prestígio e a credibilidade do Poder Judiciário perante os olhos da sociedade em geral.
[1] Versão original do artigo publicada em ADV Advocacia Dinâmica: informativo semanal, Rio de Janeiro, v. 26, n. 13, p. 211, 2 abr. 2006, bem como em Gazeta Juris: doutrina, Rio de Janeiro, v. 1, n. 11, p. 202, 1ª quinz. jun. 2006, e em Síntese Jornal, São Paulo, v. 10, n. 113, p. 17, jul. 2006. Revisado em 7 de junho de 2010. Também disponível na plataformaPDF.
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