Percebeu-se que o constitucionalismo global, para que assuma legitimidade democrática, adquira dimensão, multicultural, verdadeiramente universalista e congruente com as tessituras sociais, econômicas e culturais tanto do Norte Global quanto do Sul Global, e consista em ponto de partida para a reconstrução das instituições constitucionais de índole transnacional e regional e a alvorada de ordem constitucional global justa, em que prevaleçam a igualdade e a democracia substanciais, deve transcender as suas raízes históricas, modeladas pelos valores do neoliberalismo e do liberalismo cosmopolita, de forma que não mais se circunscreva à tônica nos direitos individuais de matriz liberal e deixe de constituir instrumento discursivo da promoção da ideologia neoliberal, da supremacia das relações de mercado, do conceito capitalista de propriedade e de relações de poder alicerçadas na hegemonia norte-americana e no colonialismo ocidental.
Na esteira, constatou-se que cabe ao constitucionalismo global abrir-se para novo campo de possibilidades, (a) acolhendo perspectiva crítica ante as limitações do liberalismo cosmopolita, as deficiências do paradigma de governança constitucional transnacional de orientação neoliberal e os efeitos negativos do neoliberalismo na facticidade, tais qual o aumento mundial da desigualdade social, da pobreza e da miséria e da degradação ambiental, e (b) pensando alternativas jurídico-constitucionais plausíveis de contraponto tanto ao neoliberalismo e ao colonialismo dele corolários, quanto ao recrudescimento do autoritarismo na contemporaneidade, fenômeno ilustrado pela ascensão de movimentos políticos quer de inspiração neofascista, quer de neoliberalismo nacionalista, quer de populismo antidemocrático.
Notou-se que um dos caminhos entrevistos, para que o constitucionalismo global continue pertinente nos dias atuais, é o da construção de pontos de interseção entre o Direito Constitucional e o Direito Internacional dos Direitos Humanos. Nesse passo, discute-se a formação de estrutura institucional de proteção de direitos humanos calçada no constitucionalismo global, a partir do diálogo jurisprudencial entre o Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas e Cortes de Proteção Regional dos Direitos Humanos (notadamente, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos ‒ TEDH, a Corte Interamericana de Direitos Humanos ‒ Corte IDH e o Tribunal Africano dos Direitos do Homem e dos Povos ‒ TADHP).
Observou-se, por outro lado, que o constitucionalismo global permanecerá relevante, nesse período de multipolaridade, caso continue aberto para o diálogo multicultural. Realça-se a relevância de que a globalização do Direito Constitucional seja compreendida para além dos lindes tradicionais do constitucionalismo liberal, a fim de que não se assente em ilusória premissa de homogeneidade jurídico-cultural e leve em conta, de maneira crítica, (a) fenômenos da contemporaneidade que destoam desse modelo, (b) aspectos desconsiderados, pelas teorias majoritárias do constitucionalismo global, acerca da diversidade cultural planetária, ou (c) situações peculiares da experiência constitucional de determinada ordem jurídica interna ou doméstica que podem acarretar repercussão global.
Inferiu-se (nesse trilhar de perquirir-se como o constitucionalismo global influencia ordens constitucionais forjadas em sistemas culturais e constitucionais diversos do modelo ocidental e liberal e, ao mesmo tempo, é por eles influenciado, dentro do quadro mais amplo de investigar como valores e compromissos constitucionais concorrem e divergem entre si na intimidade das ordens estatais) a importância de que seja examinada a interação entre o constitucionalismo global e a diversidade cultural do Sul Global, exempli gratia, em ordens constitucionais da África, da Ásia, da América do Sul, da América Central e do Caribe, considerando que o constitucionalismo global, longe de ser mero produto da contemporaneidade pós-Guerra Fria, deita suas raízes nas manifestações de mundialização e uniformização jurídica ditadas pelos séculos de colonialismo e imperialismo levado a cabo pelas potências ocidentais.
Assinalou-se que o constitucionalismo global também poderá manter o seu lugar de fala na atualidade acolhendo linhas de pesquisa sobre experiências constitucionais que, conquanto, à primeira vista, pareçam sui generis e, de início, peculiares à determinada ordem constitucional interna ou doméstica, podem se tornar, com efeitos positivos ou negativos do ponto de vista da efetividade dos direitos fundamentais e direitos humanos, do regime democrático e do Estado de Direito, paradigmas reproduzidos por outras ordens estatais e se tornar objeto de discussão no plano internacional.
Acentuou-se que, para além da necessidade de que viceje postura crítica e ressignificadora na intimidade da dogmática do constitucionalismo global, tendo em mira o pluralismo constitucional e cultural e as variadas formas de intercâmbio jurídico-constitucional interestatal, transnacional e internacional, afigura-se indispensável a concretude desse projeto no campo da vivência política dos povos.
Enfatizou-se que o constitucionalismo global, na qualidade de espaço jurídico para onde se projetam princípios de base constitucional e em que eles alcançam envergadura internacional, transnacional e interestatal, como resposta funcionalista e pragmática aos fenômenos da globalização, da relativização da soberania dos Estados nacionais ou plurinacionais e da fragmentação do Direito Internacional, impende constituir-se no novo locus do poder constituinte, de sorte que os povos tenha a oportunidade de realizar a escolha política de se assenhorarem desse projeto, para que o processo decisório de jaez político-constitucional desenvolvido na esfera global adquira legitimidade democrática. Sob esse ângulo, deve-se ampliar a participação e o controle popular no que se refere aos processos (a) de harmonização do Direito Constitucional Interno ou Doméstico com as balizas do Direito Internacional e (b) de criação quer de normas de Direito Internacional de caráter ordinário (infraconstitucional), quer de normas internacionais secundárias (editadas pelas organizações internacionais).
Ressaltou-se que a questão social inerente ao constitucionalismo global precisa ser equacionada, primordialmente, no seio da polis, ou seja, no ambiente dedicado à arena política, o que implica expandir-se o espectro contemporâneo da polis, de maneira que abranja não apenas a esfera doméstica ou interna do Estado nacional ou plurinacional, mas também o campo das relações jurídicas transnacionais lato sensu, seja o espaço das relações interestatais ou intergovernamentais, seja o espaço supranacional, este composto por Estados-membros e cidadãos. Resplendeu-se que o deslocamento da polis para a seara jurídica supranacional importa o compartilhamento de responsabilidades entre os seus integrantes, demarcando-se a divisão de atribuições entre os Estados-membros e os cidadãos ou as coletividades que compõem aquele locus, a fim de que todos tenham papéis bem delimitados e estabeleçam entre si relações ativas, para além de funções meramente protocolares e simbólicas ou condutas passivas.
Ponderou-se que a autoridade, na tessitura das instituições de governança global (internacionais, regionais, transnacionais e supranacionais), deve não apenas (a) agir em harmonia com valores imanentes à dignidade da pessoa humana, aos direitos humanos, à equidade e à justiça e às demais matérias passíveis de serem consideradas de interesse público e endereçadas ao bem comum e (b) contemplar requisitos procedimentais e processuais relacionados ao controle, à fiscalização e à responsabilidade, mas também (c) atender a padrões democráticos e transparentes na lida com contestações tanto surgidas na intimidade organizacional quanto oriundas de atores externos, em que se incluem a permissão a contestações, o seu acolhimento e a formulação de respostas a elas.
In: FROTA, H. A. da. A crise do constitucionalismo global: propostas e
reflexões. Revista Jurídica UNIGRAN, Dourados, v. 24, n. 48, p. 28-30,
jul.-dez. 2022.
Leia o artigo
completo: A crise do constitucionalismo global: propostas e
reflexões.
Como citar a
referência bibliográfica: FROTA, Hidemberg Alves da. A crise do
constitucionalismo global: propostas e reflexões. Revista Jurídica UNIGRAN,
Dourados, v. 24, n. 48, p. 17-33, jul.-dez. 2022.
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