Constatou-se que a Constituição Política do Império do Brasil, de 25 de março de 1824, estatuiu a religião católica apostólica romana como a religião oficial do Estado, sem possibilitar liberdade plena para o exercício das demais manifestações religiosas, uma vez que restritas ao culto em ambiente doméstico ou em ambiências privadas, sediadas em casas destinadas a tanto, proibida a existência de templos não católicos apostólicos romanos com aparência externa (artigo 5.º). Constatou-se que a Constituição do Império do Brasil também limitava o exercício da liberdade de religião ao vedar a eleição para a Câmara de Deputados da Assembleia Geral no tocante àqueles que não professassem a religião estatal (artigo 95, inciso III). Embora encerrasse cláusula expressa a proibir perseguição religiosa, possibilitava a persecução estatal por motivo de religião em detrimento de quem, na óptica do Estado brasileiro, estivesse a desrespeitar a religião oficial ou a ofender a moral pública (artigo 179, inciso V). Notou-se que, entre as atribuições precípuas do Imperador, na qualidade de Chefe do Poder Executivo (artigo 102, caput, 1.ª parte), figuravam as de realizar a nomeação de bispos católicos romanos (artigo 102, inciso II, 1.ª parte) e de dar provimento aos “benefícios eclesiásticos” (artigo 102, inciso II, 1.ª parte), bem como de decidir pela concessão ou não de beneplácito a Constituições Eclesiásticas, tais quais os Decretos de Concílios e as Letras Apostólicas, que não fossem contrárias à Constituição Imperial, e pela aprovação ou não das Assembleias Eclesiásticas, caso contivessem cláusulas gerais (artigo 102, inciso XIV). Percebeu-se que, apesar das relevantes restrições ao exercício da liberdade de religião, a Constituição do Império do Brasil teve a virtude de impedir que a religião obstasse a naturalização de estrangeiros (artigo 6.º, inciso V).
Inferiu-se que, a despeito de a primeira Constituição brasileira republicana e democrática, promulgada em 24 de fevereiro de 1891, haver mantido a tradição da Constituição Imperial de não fazer referência explícita tanto à liberdade de consciência, quanto à objeção de consciência, avançou, de forma significativa, na promoção da liberdade religiosa, em cotejo com a Constituição Imperial de 1824, na medida em que não só vedou a União e os Estados-membros de embaraçarem o exercício de qualquer culto religioso, como também evitou a chancela constitucional a políticas públicas de fomento à determinada confissão religiosa, ao proibir, de modo expresso, que os entes estatais estabelecessem ou subvencionassem instituições religiosas ou cultivassem com elas qualquer vínculo de dependência ou aliança, sem prejuízo da representação diplomática do Estado brasileiro no âmbito da Santa Sé (artigo 11, item 2, c/c artigo 72, § 7.º). Sob o prisma da liberdade de religião como limite à competência tributária das pessoas políticas de Direito Público Interno, a Constituição da República de 1891 (artigo 11, n.º 2), apesar de não haver se reportado, de molde explícito, ao instituto da imunidade tributária dos templos de qualquer culto, vedou o Estado brasileiro de “embaraçar o exercício de cultos religiosos”. Depreendeu-se que a Carta Maior da Primeira República facultou aos indivíduos e às confissões religiosas o direito de exercerem o próprio culto, de forma pública e livre, e, para tanto, de se associarem e adquirirem bens, desde que fosse observada a legislação do Direito Comum (artigo 72, § 3.º). Constatou-se que, na Lei Maior de 1891, o caráter laico do Estado brasileiro se patenteou, ante (a) a proibição de direitos civis e políticos serem limitados por motivos de crença ou função (artigo 72, § 28), bem como à vista (b) do caráter leigo do ensino público, (c) da natureza secular e estatal (in casu, municipal) dos cemitérios públicos e (d) do direito de que cada culto religioso praticasse os seus ritos relativamente aos seus profitentes, desde que não ofendessem os preceitos legais e as normas da moralidade pública da época (artigo 72, § 5.º), o que, todavia, tornava as comunidades e templos religiosos vulneráveis, mais uma vez, à apreciação, pelo aparelho estatal, de conceitos indeterminados sobre a moral pública. Denotou-se, na Carta Magna de 1891, como igualmente deletéria à liberdade de religião, a proibição, em termos absolutos, de que qualquer motivo ou função (inclusive de cariz religioso) fosse invocado para o não cumprimento de deveres cívicos (artigo 72, § 28), a ponto de haver encastoado a sanção de perda da totalidade dos direitos políticos daqueles que almejassem se isentar, por razão religiosa, de ônus previsto em diploma legal federal, ou seja, “nas leis da República” (artigo 72, § 29). Percebeu-se, ainda, que a Constituição da Primeira República, no plano do Direito de Família, revelou-se deficitária, ao unicamente reconhecer, em seu artigo 72, § 4.º, o casamento civil, sem propiciar efeitos civis ao matrimônio religioso.
Notou-se que a segunda Constituição brasileira republicana e democrática, promulgada em 16 de julho de 1924 (BRASIL, 2020d), seguiu os passos e foi além da Constituição de 1891, sua antecessora: (a) Vedou não só à União e aos Estados-membros, como também aos Municípios e ao Distrito Federal ações estatais destinadas a “estabelecer, subvencionar ou embaraçar o exercício de cultos religiosos” (artigo 17, inciso II). (b) Conquanto, em regra, interditasse privações de direito por razões de convicção de jaez filosófico, político ou religioso, anuiu com a perda dos direitos políticos, em caso de isenção de ônus ou serviço que a lei impusesse aos brasileiros, “quando obtida por motivo de convicção religiosa, filosófica ou política” (artigo 113, item 4, c/c artigo 111, letra c). (c) Em que pese haver prescrito a inviolabilidade da “liberdade de consciência e de crença” e garantido “o livre exercício dos cultos religiosos” – foi a primeira Carta Magna brasileira com explícita referência à liberdade de consciência –, manteve a ressalva de viabilizar a persecução estatal nessa seara, caso o Poder Público reputasse que certo exercício da liberdade de consciência e religiosa afrontaria a ordem pública e os bons costumes (artigo 113, item 5), dispositivo constitucional a prosseguir com a tradição do Direito Constitucional Positivo pátrio de expor os profitentes de determinada fé a concepções indeterminadas de moralidade pública. (d) Preservou a índole secular e estatal (municipal) dos cemitérios e a liberdade de que todos os cultos religiosos praticassem, quanto aos seus crentes, os seus ritos respectivos, com a inovação de permitir às associações religiosas manterem cemitérios particulares, sob a “fiscalização das autoridades competentes” e com o impedimento de recusa à sepultura onde se ausentassem cemitérios seculares (artigo 113, n.º 5).
Detectou-se que a Constituição de 1934 inovou, ainda, nestes aspectos: (a) Proscreveu privilégios e distinções por razões, entre outras, de “crenças religiosas” (artigo 113, item 1). (b) Consentiu com a assistência religiosa em estabelecimentos oficiais (a exemplo de unidades militares, hospitalares e penitenciárias, contudo, prestada, de forma privativa, por “sacerdotes brasileiros natos”, em caso de instalações militares), desprovida de ônus ao erário e proibida a coação dos (ou o constrangimento aos) assistidos (artigo 113, item 6). (c) Vislumbrou, ladeando o casamento civil, o casamento religioso com efeitos civis, desde que, novamente, o rito não contrariasse a ordem pública nem os bons costumes e, para fins de reconhecimento civil, houvesse a observância, pela autoridade civil, quando da “habilitação dos nubentes”, tanto dos impedimentos quanto do processo de oposição delineados pela lei civil, com a posterior inscrição no Registro Civil (artigo 146). (d) Facultou, nas escolas públicas de nível primário, secundário, profissional e normal, o ensino religioso, que deveria ser ministrado à luz dos “princípios da confissão religiosa do aluno manifestada pelos pais ou responsáveis” (artigo 153). (e) Além disso, a Constituição Federal de 1934, em seu artigo 113, item 5, inovou, igualmente, ao conferir, na forma da lei civil, personalidade jurídica às associações religiosas em geral.
Depreendeu-se que a Constituição Federal de 1934 consolidou o paradigma brasileiro de Estado laico, esboçado pela Constituição Federal de 1891, e serviu de paradigma para projetos constitucionais posteriores.
Verificou-se que a Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1937 (Constituição do Estado Novo, a Constituição Polaca), no que concerne à liberdade religiosa, guardou sintonia com as inovações acrescentadas pelas Constituições democráticas de 1891 e 1934 e se denotou, nesse aspecto, continuadora da mesma matriz de constitucionalismo: (a) Proibiu a União, os Estados-membros, o Distrito Federal e os Municípios de estabelecerem, subvencionarem ou embaraçarem “o exercício de cultos religiosos” (artigo 32, alínea b). (b) Cominou a perda dos direitos políticos, em caso de “recusa, motivada por convicção religiosa, filosófica ou política, de encargo, serviço ou obrigação imposta por lei aos brasileiros” (artigo 119, alínea b). (c) Assegurou o exercício livre e público de cultos religiosos em geral, inclusive mediante o usufruto do direito de associação e de aquisição de bens, desde que, novamente, contempladas, de um lado, as disposições irradiadas pelo Direito Comum e, de outra banda, as exigências defluentes seja da ordem pública, seja dos bons costumes (artigo 122, n.º 4). (d) Conferiu aos cemitérios caráter estritamente secular e municipal, não mais prevendo-se, na ordem constitucional pátria, a existência de cemitérios confessionais (artigo 122, n.º 5). (e) Facultou o ensino religioso nas escolas de âmbito primário, normal e secundário, contanto que não fosse compulsória nem aos educadores nem aos educandos (artigo 133).
Inferiu-se que o único caráter, de fato, positivamente inovador da Constituição de 1937 ficou por conta do direito dos operários a feriados não apenas civis, mas também religiosos, conforme os limites demarcados pelas “exigências técnicas da empresa” e a “tradição local”, na esteira do artigo 137, alínea d, daquela Lei Maior.
Notou-se que a Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946 seguiu a mesma senda das suas predecessoras e sedimenta, na ordem constitucional do novo regime democrático, normas trazidas a lume pelas Constituições Republicanas pretéritas: (a) Permaneceu a vedação de que a União, os Estados-membros, o Distrito Federal e os Municípios estabelecessem ou subvencionassem cultos de índole religiosa, ou viessem a lhes embaraçar o exercício (artigo 131, inciso II). (b) Manteve a inviolabilidade da liberdade de consciência e de crença e a assecuração do “livre exercício dos cultos religiosos”, com a similar e questionável ressalva quanto aos que contrariassem, sob a óptica do Estado brasileiro, “a ordem pública ou os bons costumes” (artigo 141, § 8.º). (c) Embora obstasse a privação de direitos por motivos religiosos, filosóficos ou políticos, preservou a potestade de o Poder Público impor a perda de direitos individuais, caso se invocassem razões de ordem religiosa, filosófica ou política, “para se eximir de obrigação, encargo ou serviço impostos pela lei aos brasileiros em geral”, ou, ainda, para se recusar os que a Constituição de 1946 estabelecesse em substituição daqueles deveres, “a fim de atender escusa de consciência” (artigo 141, § 8.º). (d) Fraqueou aos brasileiros a continuidade da assistência religiosa no seio das Forças Armadas e a estendeu, de forma ampla, aos “estabelecimentos de internação coletiva” em geral (nessa segunda hipótese, mediante a solicitação dos interessados ou dos seus representantes legais), com a cautela, em ambas as hipóteses (tanto a de âmbito militar quanto a da internação coletiva), de novamente o Direito Constitucional Positivo proscrever o eventual constrangimento das pessoas assistidas (artigo 141, § 9.º). (e) Ratificou o cariz secular e estatal (municipal) dos cemitérios, a permissão de que todas as confissões religiosas neles praticassem os seus ritos e a possibilidade de que, nos termos da lei, associações religiosas mantivessem cemitérios particulares (artigo 141, § 10). (f) Estendeu aos trabalhadores em geral (não só aos operários) o gozo não apenas de feriados civis, como também de feriados religiosos, consoante as tradições locais, com a mesma condicionante anterior de que o usufruto respeitasse os limites dimanados “das exigências técnicas das empresas” (artigo 157, inciso VI). (g) Reiterou a equivalência do casamento religioso ao matrimônio civil, se fossem “observados os impedimentos e as prescrições da lei”, assim o requeresse seja o celebrante, seja qualquer outro interessado, e contanto que o ato fosse inscrito no respectivo Registro Público (artigo 163, § 1.º). Alternativamente, na hipótese de haver sido celebrado matrimônio religioso sem as formalidades divisadas por aquele § 1.º do mesmo artigo 163, facultou a concessão de efeitos civis ao casamento religioso, se inscrito no Registro Público correspondente, “a requerimento do casal” e por meio da “prévia habilitação perante a autoridade competente” (artigo 163, § 2.º). (h) Manteve, em caráter facultativo, o ensino religioso em estabelecimentos oficiais, o qual deveria ser ministrado em consonância com a confissão religiosa esposada pelo aluno e “manifestada por ele”, se fosse capaz, “ou pelo seu representante legal ou responsável” (artigo 168, inciso V). (i) Inovou, ao proibir, de forma manifesta, a União, os Estados-membros, o Distrito Federal e os Municípios de lançarem “impostos sobre templos de qualquer culto”, ressalvada a “colaboração recíproca em prol do interesse coletivo” (artigo 31, inciso V, alínea b).
Conclui-se que a Constituição da República Federal do Brasil de 1967, quanto à liberdade religiosa, reiterou normas positivadas pelas Constituições Republicanas anteriores. Ad exemplum, a fórmula da liberdade de consciência e de crença positivada no artigo 141, § 7.º, da Constituição Federal de 1946, restou, em essência, reproduzida pelo artigo 150, § 5.º, da Constituição Federal de 1967 e preservada no artigo 153, § 5.º, da Emenda Constitucional n.º 1/1969. Assinalou-se que a Emenda Constitucional n.º 1/1969 foi o último texto constitucional a condicionar, de forma explícita, em seu artigo 153, § 8.º, o exercício da liberdade de religião à moldura da ordem pública e dos bons costumes. Remarcou-se que a proibição de discriminação baseada em “credo religioso”, agasalhada na Constituição Federal de 1967 (artigo 153, § 1.º) e reiterada na Emenda Constitucional n.º 1/1969 (artigo 153, § 1.º), reproduz disposição similar à da Constituição Federal de 1934, que já vedava a discriminação pautada em “crenças religiosas” (artigo 113, item 1).
Enfatizou-se que a principal diferença da Emenda Constitucional n.º 1/1969 em comparação com as Constituições Republicanas pregressas, reflexo do escancaramento do caráter autoritário do regime político então vigente, foi a previsão de censura a pronunciamentos de membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal (artigo 149, § 1.º, alínea b) e a publicações em geral (como jornais, livros e periódicos) em virtude, entre outros motivos, de eventual manifestação de preconceito de religião (artigo 153, § 8.º). Frisou-se que tanto a Constituição Federal de 1967 (artigo 20, inciso III, alínea b), quanto a Emenda Constitucional n.º 1/1969 (artigo 19, inciso III, alínea b), preservaram a proibição, estabelecida, de molde expresso, pela Carta de 1946 (artigo 31, inciso V, alínea b), de “criar” (CRFB/1967) e “instituir” (EC n.º 1/1969), pela União, pelos Estados-membros, pelos Municípios e pelo Distrito Federal, impostos relativos a “templos de qualquer culto”.
Obtemperou-se que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, ainda que reproduza dispositivos acrescentados ao Direito Constitucional Positivo e sedimentados na ordem constitucional pelas Constituições brasileiras anteriores, depura tais disposições de conceitos indeterminados vinculados à ordem e à moralidade pública e aos bons costumes: (a) Preserva a inviolabilidade da “liberdade de consciência e de crença” e assegura o livre exercício dos cultos religiosos” e a proteção, “na forma da lei”, “aos locais de culto e as suas liturgias”, inovando ao não condicionar tais direitos fundamentais a conceitos indeterminados de ordem ou moral pública, tampouco de bons costumes (artigo 5.º, inciso VI). Sob o ângulo do Direito Tributário, consignou-se que se desdobra na imunidade dos “templos de qualquer culto” (artigo 150, inciso VI, alínea b, e § 4.º, da CRFB/1988). (b) Embora excepcione a limitação a “direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política”, prevê, para tal fim excepcional de restrição a direitos, não apenas o requisito de a pessoa “as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta”, como também a exigência cumulativa de “recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei” (artigo 5.º, inciso VIII), em que se insere o “serviço alternativo aos que, em tempos de paz, após alistados, alegarem imperativo de consciência”, inclusive se “decorrente de crença religiosa” (além das hipóteses “de convicção filosófica ou política”) (artigo 143, § 1.º). (c) Mantém, nos termos da lei, “a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva” (artigo 5.º, inciso VII). (d) Permanece a vedação de que os entes estatais estabeleçam ou subvencionem “cultos religiosos ou igrejas”, embaraçem-lhes o funcionamento ou cultivem “com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança”, com a reintroduzida ressalva genérica da “colaboração de interesse público”, na forma da lei (artigo 19, inciso I). (e) Continua a previsão constitucional de que, em educandários estatais, o ensino religioso possui caráter facultativo e se ministra como disciplina inserta “em horários normais das escolas públicas de ensino fundamental” (artigo 210, § 1.º), bem como de que o “casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei” (artigo 226, § 2.º).
In: FROTA, H. A. da. A liberdade de religião nas Constituições brasileiras de 1824 a 1988. Revista Jurídica Unigran, Dourados (MS), v. 24, n. 47, jan.-jun. 2022, p. 144-150.
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Como citar a referência bibliográfica: FROTA, Hidemberg Alves da. A liberdade de religião nas Constituições brasileiras de 1824 a 1988. Revista Jurídica Unigran, Dourados (MS), v. 24, n. 47, p. 129-152, jan.-jun. 2022.
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