domingo, 20 de agosto de 2023

O Sistema do Tratado da Antártida na contemporaneidade e a crescente presença chinesa no Polo Sul

 

“Este artigo examinou os desafios contemporâneos do Sistema do Tratado da Antártida, com ênfase na atuação chinesa no Continente Antártico de 2005 em diante, quadra marcada pela ampliação do seu engajamento no Sexto Continente. Percebeu-se a plausibilidade de que China promova a mitigação ou suspensão das restrições do Sistema do Tratado Antártico à exploração de recursos minerais no Continente Antártico, em função das necessidades materiais dos seus expressivos contingentes populacionais e da possibilidade jurídica da revisão, no ano de 2048, do Protocolo de Madri. Notou-se que a China demonstra a aspiração de que, no Continente Antártico, sejam lavadas a cabo, no presente, atividades pesqueiras e, no futuro, atividades de mineração. Inferiu-se que não há elementos fáticos que sinalizem, de modo seguro, para o uso oculto das estações chinesas para fins militares. Ressalvou-se a cautela de evitar que a análise da dinâmica internacional e regional subjacente ao Tratado do Sistema Antártico seja prejudicada pela emergência de nova expressão de orientalismo polar. Alertou-se para o risco de que esse orientalismo polar ponha em segundo plano o cariz internacionalista, pacifista, não militar e não nuclear da Antártida e do Oceano Austral e negligencie o fomento da estabilidade do STA.”

— In: FROTA, H. A. da. O Sistema do Tratado da Antártida na contemporaneidade e a crescente presença chinesa no Polo Sul. Revista Jurídica UNIGRAN, v. 25, n. 49, jan.-jun. 2023, p. 95.

Leia o artigo completo:  O Sistema do Tratado da Antártida na contemporaneidade e a crescente presença chinesa no Polo Sul.

Como citar a referência bibliográfica: FROTA, H. A. da. O Sistema do Tratado da Antártida na contemporaneidade e a crescente presença chinesa no Polo Sul. Revista Jurídica UNIGRAN, v. 25, n. 49, p. 95-113, jan.-jun. 2023.

Sede do Secretariado do Tratado da Antártida

terça-feira, 1 de agosto de 2023

A conjuntura internacional e polar antecedente ao Sistema do Tratado da Antártida

 

  Direito Internacionalrelações internacionais   1 minuto

A contextura internacional e antártica prévia ao Sistema do Tratado Antártico foi assinalada pela tentativa de Estados europeus levarem ao Sexto Continente a lógica do expansionismo colonial. Ainda que o colonialismo já estivesse em seus estertores, houve a tentativa de que adviessem fatos consumados a partir da criação de bases e estações e da previsão legal de territórios antárticos. Por outro lado, no Cone Sul, Argentina e Chile emularam parte dessa estratégia de ocupação da Antártida, invocando a suposta herança territorial, na qualidade de legatários do espólio da América Espanhola no Polo Sul. Por sua vez, os Estados Unidos optaram pela via da cooperação internacional, como meio de não reforçar as pretensões coloniais europeias e, em momento posterior, de evitar contendas territoriais, ante o crescente interesse da União Soviética por se fazer presente na Antártida após a Segunda Guerra Mundial e o começo da Guerra Fria (DODDS, 2012, p. 93-106; HERNANDEZ, 2020, p. 29-36; SCOTT, 2017, p. 37-49).

 FROTA, H. A. da.  A conjuntura internacional e polar antecedente ao Sistema do Tratado da Antártida. Diversità: Revista Multidisciplinar do Centro Universitário Cidade Verde, Maringá, v. 9, n. 1, p. 90-98, jan.-jun. 2023. Disponível em: https://revista.unifcv.edu.br/index.php/revistapos/issue/view/40/36&gt. Acesso em: 1 ago. 2023.

Leia o artigo completo: A conjuntura internacional e polar antecedente ao Sistema do Tratado da Antártida.

Como citar a referência bibliográfica: FROTA, Hidemberg Alves da.  A conjuntura internacional e polar antecedente ao Sistema do Tratado da Antártida. Diversità: Revista Multidisciplinar do Centro Universitário Cidade Verde, Maringá, v. 9, n. 1, p. 90-98, jan.-jun. 2023. Disponível em: https://revista.unifcv.edu.br/index.php/revistapos/issue/view/40/36&gt. Acesso em: 1 ago. 2023.



segunda-feira, 6 de março de 2023

Da prisão arbitrária à ruptura do projeto existencial: diálogos entre Rollo May e Jean-Paul Sartre

Nesta pesquisa, foi proposto novo olhar sobre o conto de Rollo May intitulado “O homem que foi colocado numa gaiola”, à luz da proposta em construção na contemporaneidade, sobretudo nas últimas duas décadas, pela comunidade de psicólogos e filósofos brasileiros estudiosos do filósofo, escritor, crítico literário e dramaturgo Jean-Paul Sartre, de Psicologia Fenomenológico-Existencialista inspirada em suas obras literárias e filosóficas. Realizou-se pesquisa do tipo bibliográfica, baseada na consulta a artigos científicos e capítulos de livro de obras colegiadas vinculados à Psicologia e à Filosofia de matrizes sartrianas, bem como em textos filosóficos e ficcionais de Sartre. De início, examinou-se a liberdade ontológica em Sartre, debruçando-se sobre o conto de sua autoria intitulado “O muro”. Após, passou-se à interpretação da parábola de Rollo May, com base nos aportes colhidos da literatura brasileira especializada na Psicologia e na Filosofia de bases sartrianas, com destaque ao estudo da concepção sartriana de má-fé e das contribuições da Psicologia Fenomenológica e Existencialista de cariz sartriano e de formulação brasileira às questões do sofrimento psíquico, da ausência de campos de possíveis e da ruptura do projeto existencial. Em seguida, evidenciou-se a atualidade do texto ficcional de May, em cotejo com a realidade contemporânea pertinente à pena perpétua e ao confinamento solitário, em particular no sistema prisional da América do Norte.

In: FROTA, H. A. da. Da prisão arbitrária à ruptura do projeto existencial: diálogos entre Rollo May e Jean-Paul Sartre. Revista da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, São Paulo, v. 4, n. 2, jul.-dez. 2022, p. 114.

Leia o artigo completo: Da prisão arbitrária à ruptura do projeto existencial: diálogos entre Rollo May e Jean-Paul Sartre.

Como citar a referência bibliográfica: FROTA, Hidemberg Alves da. Da prisão arbitrária à ruptura do projeto existencial: diálogos entre Rollo May e Jean-Paul Sartre. Revista da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, São Paulo, v. 4, n. 2, p. 115-138, jul.-dez. 2022.

Igualdade substancial, casamento religioso e sacerdócio por pessoas LGBTQIA+: análise do caso Gaum

O acórdão de 2019 da Divisão de Gauteng em Pretória da Corte Superior da África do Sul declarou ilegal e inválida decisão eclesiástica, de caráter interpretativo e teológico, adotada em novembro de 2016, pelo Sínodo-Geral da Igreja Neerlandesa Reformada da África do Sul:

1. Em novembro de 2016, o Sínodo-Geral decidiu que gays e lésbicas poderiam desempenhar as funções de ministros e ministras, presbíteros e presbíteras, apenas se fossem pessoas celibatárias. Porém, sacerdotes heterossexuais poderiam continuar a optar entre o casamento e o celibato.

2. Ademais, o Sínodo-Geral decidiu que ministros e ministras da Igreja seriam proibidos de celebrar cerimônia religiosa de casamento entre pessoas do mesmo sexo.

Assim, ao tornar ilegal e inválida a decisão eclesiástica de novembro de 2016, a Corte Superior da África do Sul ocasionou efeito repristinatório da decisão eclesiástica anterior, adotada pelo Sínodo-Geral em outubro de 2015.

Na época, o Sínodo-Geral, diferentemente da decisão posterior, de 2016, (a) autorizara o acolhimento eclesial das uniões civis entre pessoas do mesmo sexo, desde que esses relacionamentos fossem imbuídos de amor e fidelidade mútuos, e (b) facultara aos sacerdotes estenderem ou não efeitos religiosos às uniões civis entre pessoas do mesmo sexo e de celebrarem, se assim desejassem, cerimônia religiosa de casamento entre pessoas do mesmo sexo, a par de haver (c) autorizado que gays e lésbicas fossem ordenados ministros e ministras, presbíteros e presbíteras, sem a exigência do celibato.

Estabelecido esse contraste entre as decisões de 2016 e de 2015 do Sínodo-Geral da Igreja Neerlandesa Reformada da África do Sul, cumpre recapitular quais os principais eixos argumentativos do acórdão de março de 2019, lavrado pela Divisão de Gauteng em Pretória da Corte Superior da África do Sul, no que se refere aos seus argumentos de direito material:

1. A Corte salientou que se fazia presente, naquele caso concreto, a presunção relativa de injusta discriminação quanto à orientação sexual e à ofensa à dignidade da comunidade LGBTQIA+. Como se tratava de discriminação específica (delimitada a um grupo vulnerável), caberia à Igreja Neerlandesa Reformada da África do Sul o ônus da prova, do qual ela não conseguiu se desincumbir.

2. A Corte realçou que a decisão eclesiástica de 2016 obstava o usufruto igualitário e pleno de “todos os direitos e liberdades”. Ao mesmo tempo, a Corte percebeu que a Igreja tinha, sim, à época, a possibilidade de adotar decisão eclesiástica alternativa, como aquela que ela mesma havia adotado em 2015, compatível com os propósitos religiosos da Igreja e, por outro lado, menos restritiva e menos desvantajosa à comunidade LGBTQIA+.

3. A Corte percebeu que a decisão eclesiástica de 2016 não representava o posicionamento da totalidade do Sínodo-Geral, e sim espelhava verdadeira cisão naquele Órgão Superior da Igreja. Demais disso, a Corte não enxergou qualquer finalidade social relevante na decisão eclesiástica de 2016.

4. A Corte ressaltou que a decisão eclesiástica de 2016 excluía a comunidade LGBTQIA+ de posições de liderança naquela Igreja e a alijava do direito a casamentos religiosos. Dessa forma, a Corte detectou que a decisão de 2016 acarretava tratamento desigual, do ponto de vista da igualdade substancial. Ela vislumbrou também efeito colateral negativo, nessa mesma decisão de 2016, na medida em que tal decisum eclesiástico acabava por forçar gays e lésbicas a buscarem casamento religioso em outra denominação religiosa que não a sua.

5. Embora a Corte tenha reconhecido que se tratava de discussão fora do âmbito das relações jurídicas com o Estado (inclusive fora da seara do processo administrativo), já que surgida no seio de comunidade eclesiástica, consignou a necessidade de que fosse salvaguardada a supremacia da Constituição, uma vez que a matéria estava judicializada.

6. A Corte frisou, ao final, a ausência de respaldo, na jurisprudência da África do Sul, ao argumento da Igreja de que ela, por meio da sua decisão de 2016, teria realizado o balanceamento entre os direitos à orientação sexual e à liberdade de religião.

Desse modo, o acórdão de março de 2019 da Corte Superior da África do Sul coaduna-se com o princípio da proporcionalidade, tripartido nos subprincípios da adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito.

Trata-se de medida judicial adequada, haja vista que o meio empregado é lícito: cuida-se do exercício de competência jurisdicional da Divisão de Gauteng em Pretória da Corte Superior da África do Sul de proteger os direitos fundamentais à igualdade substancial e à orientação sexual, conforme previsto na Constituição sul-africana de 1996. Adequada também porque a finalidade de resguardar a comunidade LGBTQIA+ de injusta discriminação é fim constitucionalmente legítimo, à luz dos dispositivos da Constituição sul-africana vigente. E, por derradeiro, adequada pois o meio empregado pela Corte Superior da África do Sul, consubstanciado nesse provimento jurisdicional, mostrou-se, além de célere e congruente com a duração razoável do processo judicial, apto a promover tais direitos fundamentais: afastou do ordenamento jurídico sul-africano a decisão eclesiástica de 2016 e, em consequência, propiciou efeito repristinatório em relação à decisão eclesiástica anterior, de 2015.

Demais disso, o acórdão em questão consiste em medida judicial necessária, isto é, indispensável. Necessária porquanto não havia à disposição da Divisão de Gauteng em Pretória da Corte Superior da África do Sul medida judicial igualmente adequada e, ao mesmo tempo, menos intrusiva na autonomia privada, na liberdade de religião e no direito geral de autodeterminação da Igreja Neerlandesa Reformada da África do Sul que pudesse alcançar a mesma finalidade, com a mesma eficácia, no sentido de evitar a discriminação negativa da comunidade LGBTQIA+. Necessária também pois, caso a medida judicial fosse menos intrusiva, o Poder Judiciário incorreria em déficit de proteção da comunidade LGBTQIA+.

Por outro lado, o acórdão de março de 2019 denota-se medida judicial proporcional em sentido estrito. As vantagens propiciadas à igualdade substancial, à orientação sexual e à identidade de gênero superam as desvantagens à liberdade de religião, à autonomia privada e à autodeterminação da Igreja.

Não seria justificável que o Poder Judiciário mantivesse, em termos absolutos, a autonomia da Igreja para fixar, a seu talante, as suas normas internas que disciplinam o casamento religioso e o desempenho de funções sacerdotais, porque imporia desmesurado grau de sacrifício ao projeto de vida, à vida privada, à intimidade familiar, ao bem-estar psicológico e à integridade moral dos membros da comunidade LGBTQIA+ filiados à Igreja, bem como ao sentido existencial mais profundo da convivência em comunidade eclesiástica.

Como o Sínodo-Geral da Igreja já havia adotado, no intervalo de cerca de um ano, duas decisões diametralmente opostas, deveria prevalecer, como de fato prevaleceu, a decisão de 2015, a título in dubio pro homine, porque era a decisão destituída de caráter discriminatório.

Não havia a possibilidade de que o Poder Judiciário adotasse decisão alternativa, cuja menor eficácia na proteção à isonomia substancial, à orientação sexual e à identidade de gênero fosse eventualmente compensada por nível menos intenso de mitigação da autonomia privada, da liberdade religiosa e da autodeterminação da Igreja.

De todo modo, o aresto em estudo não deve ser aplicado de forma indiscriminada. Ao realizar o cotejo entre o acórdão da Corte Superior da África do Sul de março de 2019 e as circunstâncias de determinado processo judicial, é preciso verificar se, na comunidade eclesiástica considerada, existem ou não demandas e reivindicações individuais e coletivas pela promoção dos direitos religiosos de pessoas LGBTQIA+.

Convém ter em mente o contexto cultural e religioso em que se insere a comunidade eclesiástica considerada, para se prevenir que a intervenção do Estado-Juiz represente carga coativa demasiada e a fim de se evitar que sirva de pretexto para que o grupo majoritário aumente a opressão das minorias sexuais e de gênero. Daí a importância de se aquilatar se, na comunidade eclesiástica em questão, existe abertura, mínima que seja, para a promoção de direitos fundamentais da comunidade LGBTQIA+ (perquirindo-se, por exemplo, se há movimentos internos para torná-la mais aberta à diversidade sexual e de gênero).

Em síntese, é imprescindível a avaliação criteriosa dos diversos atravessamentos (inclusive históricos, psicológicos, antropológicos, sociológicos, econômicos, culturais, religiosos e axiológicos) que envolvem as relações sociais e institucionais em determinada comunidade eclesiástica e ponderar os efeitos individuais e coletivos que a decisão judicial acarretará justamente sobre os grupos vulneráveis.

In: FROTA, H. A. da; BARROS, Renata F. de. Igualdade substancial, casamento religioso e sacerdócio por pessoas LGBTQIA+: análise do caso Gaum. Caderno de Direito e Políticas Públicas, Rio de Janeiro, v. 3, n. 1, jan.-dez. 2022, p. 36-39.

Leia o artigo completo: Igualdade substancial, casamento religioso e sacerdócio por pessoas LGBTQIA+: análise do caso Gaum.

Como citar a referência bibliográfica: FROTA, Hidemberg Alves da; BARROS, Renata Furtado de. Igualdade substancial, casamento religioso e sacerdócio por pessoas LGBTQIA+: análise do caso Gaum. Caderno de Direito e Políticas Públicas, Rio de Janeiro, v. 3, n. 1, p. 1-47, jan.-dez. 2022.





A crise do constitucionalismo global: propostas e reflexões.

Percebeu-se que o constitucionalismo global, para que assuma legitimidade democrática, adquira dimensão, multicultural, verdadeiramente universalista e congruente com as tessituras sociais, econômicas e culturais tanto do Norte Global quanto do Sul Global, e consista em ponto de partida para a reconstrução das instituições constitucionais de índole transnacional e regional e a alvorada de ordem constitucional global justa, em que prevaleçam a igualdade e a democracia substanciais, deve transcender as suas raízes históricas, modeladas pelos valores do neoliberalismo e do liberalismo cosmopolita, de forma que não mais se circunscreva à tônica nos direitos individuais de matriz liberal e deixe de constituir instrumento discursivo da promoção da ideologia neoliberal, da supremacia das relações de mercado, do conceito capitalista de propriedade e de relações de poder alicerçadas na hegemonia norte-americana e no colonialismo ocidental.

Na esteira, constatou-se que cabe ao constitucionalismo global abrir-se para novo campo de possibilidades, (a) acolhendo perspectiva crítica ante as limitações do liberalismo cosmopolita, as deficiências do paradigma de governança constitucional transnacional de orientação neoliberal e os efeitos negativos do neoliberalismo na facticidade, tais qual o aumento mundial da desigualdade social, da pobreza e da miséria e da degradação ambiental, e (b) pensando alternativas jurídico-constitucionais plausíveis de contraponto tanto ao neoliberalismo e ao colonialismo dele corolários, quanto ao recrudescimento do autoritarismo na contemporaneidade, fenômeno ilustrado pela ascensão de movimentos políticos quer de inspiração neofascista, quer de neoliberalismo nacionalista, quer de populismo antidemocrático.

Notou-se que um dos caminhos entrevistos, para que o constitucionalismo global continue pertinente nos dias atuais, é o da construção de pontos de interseção entre o Direito Constitucional e o Direito Internacional dos Direitos Humanos. Nesse passo, discute-se a formação de estrutura institucional de proteção de direitos humanos calçada no constitucionalismo global, a partir do diálogo jurisprudencial entre o Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas e Cortes de Proteção Regional dos Direitos Humanos (notadamente, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos ‒ TEDH, a Corte Interamericana de Direitos Humanos ‒ Corte IDH e o Tribunal Africano dos Direitos do Homem e dos Povos ‒ TADHP).

Observou-se, por outro lado, que o constitucionalismo global permanecerá relevante, nesse período de multipolaridade, caso continue aberto para o diálogo multicultural. Realça-se a relevância de que a globalização do Direito Constitucional seja compreendida para além dos lindes tradicionais do constitucionalismo liberal, a fim de que não se assente em ilusória premissa de homogeneidade jurídico-cultural e leve em conta, de maneira crítica, (a) fenômenos da contemporaneidade que destoam desse modelo, (b) aspectos desconsiderados, pelas teorias majoritárias do constitucionalismo global, acerca da diversidade cultural planetária, ou (c) situações peculiares da experiência constitucional de determinada ordem jurídica interna ou doméstica que podem acarretar repercussão global.

Inferiu-se (nesse trilhar de perquirir-se como o constitucionalismo global influencia ordens constitucionais forjadas em sistemas culturais e constitucionais diversos do modelo ocidental e liberal e, ao mesmo tempo, é por eles influenciado, dentro do quadro mais amplo de investigar como valores e compromissos constitucionais concorrem e divergem entre si na intimidade das ordens estatais) a importância de que seja examinada a interação entre o constitucionalismo global e a diversidade cultural do Sul Global, exempli gratia, em ordens constitucionais da África, da Ásia, da América do Sul, da América Central e do Caribe, considerando que o constitucionalismo global, longe de ser mero produto da contemporaneidade pós-Guerra Fria, deita suas raízes nas manifestações de mundialização e uniformização jurídica ditadas pelos séculos de colonialismo e imperialismo levado a cabo pelas potências ocidentais.

Assinalou-se que o constitucionalismo global também poderá manter o seu lugar de fala na atualidade acolhendo linhas de pesquisa sobre experiências constitucionais que, conquanto, à primeira vista, pareçam sui generis e, de início, peculiares à determinada ordem constitucional interna ou doméstica, podem se tornar, com efeitos positivos ou negativos do ponto de vista da efetividade dos direitos fundamentais e direitos humanos, do regime democrático e do Estado de Direito, paradigmas reproduzidos por outras ordens estatais e se tornar objeto de discussão no plano internacional.

Acentuou-se que, para além da necessidade de que viceje postura crítica e ressignificadora na intimidade da dogmática do constitucionalismo global, tendo em mira o pluralismo constitucional e cultural e as variadas formas de intercâmbio jurídico-constitucional interestatal, transnacional e internacional, afigura-se indispensável a concretude desse projeto no campo da vivência política dos povos.

Enfatizou-se que o constitucionalismo global, na qualidade de espaço jurídico para onde se projetam princípios de base constitucional e em que eles alcançam envergadura internacional, transnacional e interestatal, como resposta funcionalista e pragmática aos fenômenos da globalização, da relativização da soberania dos Estados nacionais ou plurinacionais e da fragmentação do Direito Internacional, impende constituir-se no novo locus do poder constituinte, de sorte que os povos tenha a oportunidade de realizar a escolha política de se assenhorarem desse projeto, para que o processo decisório de jaez político-constitucional desenvolvido na esfera global adquira legitimidade democrática. Sob esse ângulo, deve-se ampliar a participação e o controle popular no que se refere aos processos (a) de harmonização do Direito Constitucional Interno ou Doméstico com as balizas do Direito Internacional e (b) de criação quer de normas de Direito Internacional de caráter ordinário (infraconstitucional), quer de normas internacionais secundárias (editadas pelas organizações internacionais).

Ressaltou-se que a questão social inerente ao constitucionalismo global precisa ser equacionada, primordialmente, no seio da polis, ou seja, no ambiente dedicado à arena política, o que implica expandir-se o espectro contemporâneo da polis, de maneira que abranja não apenas a esfera doméstica ou interna do Estado nacional ou plurinacional, mas também o campo das relações jurídicas transnacionais lato sensu, seja o espaço das relações interestatais ou intergovernamentais, seja o espaço supranacional, este composto por Estados-membros e cidadãos. Resplendeu-se que o deslocamento da polis para a seara jurídica supranacional importa o compartilhamento de responsabilidades entre os seus integrantes, demarcando-se a divisão de atribuições entre os Estados-membros e os cidadãos ou as coletividades que compõem aquele locus, a fim de que todos tenham papéis bem delimitados e estabeleçam entre si relações ativas, para além de funções meramente protocolares e simbólicas ou condutas passivas.

Ponderou-se que a autoridade, na tessitura das instituições de governança global (internacionais, regionais, transnacionais e supranacionais), deve não apenas (a) agir em harmonia com valores imanentes à dignidade da pessoa humana, aos direitos humanos, à equidade e à justiça e às demais matérias passíveis de serem consideradas de interesse público e endereçadas ao bem comum e (b) contemplar requisitos procedimentais e processuais relacionados ao controle, à fiscalização e à responsabilidade, mas também (c) atender a padrões democráticos e transparentes na lida com contestações tanto surgidas na intimidade organizacional quanto oriundas de atores externos, em que se incluem a permissão a contestações, o seu acolhimento e a formulação de respostas a elas.

In: FROTA, H. A. da. A crise do constitucionalismo global: propostas e reflexões. Revista Jurídica UNIGRAN, Dourados, v. 24, n. 48, p. 28-30, jul.-dez. 2022.

Leia o artigo completo: A crise do constitucionalismo global: propostas e reflexões.

Como citar a referência bibliográfica: FROTA, Hidemberg Alves da. A crise do constitucionalismo global: propostas e reflexões. Revista Jurídica UNIGRAN, Dourados, v. 24, n. 48, p. 17-33, jul.-dez. 2022.







A pena de morte automática e obrigatória no Caribe anglófono: raízes coloniais e jurisprudência internacional

Percebeu-se a atualidade da orientação jurisprudencial do Comitê de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas esposada nos casos Mwamba v. Zâmbia (Comunicação n.º 1.520/2006, § 6.3), julgado em 10 de março de 2010, Larrañaga v. Filipinas (Comunicação n.º 1.421/2005, § 7.2), julgado em 24 de julho de 2006, Rolando v. Filipinas (Comunicação n.º 1.110/2002, § 5.2), julgado em 3 de novembro de 2004, Kennedy v. Trindade e Tobago (Comunicação n.º 845/1998, § 7.3), julgado em 26 de março de 2002, e Thompson v. São Vicente e Granadinas (Comunicação n.º 806/1998, § 8.2), julgado em 18 de outubro de 2000, segundo a qual a pena de morte, quando imposta de forma obrigatória e automática, consiste em privação arbitrária da vida da pessoa humana, a atrair, por isso, o campo de incidência do artigo 6.º, n.º 1, in fine, do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (PIDCP), de 16 de dezembro de 1966, nas situações em que se aplica a pena capital à revelia quer das circunstâncias do acusado dotadas de índole pessoal, quer das circunstâncias imanentes ao crime analisado.

Notou-se que, apesar de tal constructo jurisprudencial remansoso do Comitê de Direitos Humanos da ONU ter mais de vinte anos de reiteração, ainda há flagrante resistência em sua observância nos ordenamentos jurídicos domésticos, a ponto (a) de permanecer vigente, em Trindade e Tobago, a Lei de Delitos contra a Pessoa (Lei 10 de 1925), cujo artigo 4.º preceitua que todas as pessoas condenadas por murder serão submetidas à pena de morte, e, (b) em São Vicente  e Granadinas, no rol de sanções penais do Código Criminal são-vicentino (consubstanciado no Capítulo 124 das Leis Revisadas de São Vicente e Granadinas), em seu artigo 23, remanescer, na alínea a, a referência expressa à pena de morte.

Constatou-se que, sob o prisma da jurisprudência internacional de Direitos Humanos, a questão da pena capital no Caribe de língua oficial inglesa recebeu aportes relevantes não só do Comitê de Direitos Humanos da ONU, atrás mencionados, como também da Corte Interamericana de Direitos Humanos, sobretudo nos acórdãos paradigmáticos dos casos Hilaire e Boyce.

Lembrou-se que a inconvencionalidade do caráter automático e obrigatório da pena de morte foi objeto de análise de mérito, pela primeira vez, pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, no caso Hilaire, Constantine e Benjamin e outros versus Trindade e Tobago, em sentencia (acórdão) de 21 de junho de 2002, quando a Corte IDH, ao se debruçar sobre o retrocitado artigo 4.º da Lei dos Delitos contra a Pessoa de 1925, de Trindade e Tobago, determinou (§ 223, itens 8 e 9) ao Estado trinitário-tobagense (a) “abster-se de aplicar a Lei de Delitos contra a Pessoa de 1925”, (b) modificá-la, “em prazo razoável”, com o intento de adequá-la “às normas internacionais de proteção dos direitos humanos, nos termos expostos no parágrafo 212” (tradução livre nossa) do aresto em comento, e, após tal reforma legislativa, (c) tramitar de novo os processos penais pertinentes aos vinte e oito jurisdicionados que, nos mencionados autos, litigavam contra o indigitado Estado caribenho, condenados em relação aos quais foram aplicadas penais capitais, de maneira compulsória, sem a possibilidade de comutação.

Acentuou-se que a previsão, pela legislação penal, de hipóteses de homicídio intencional ou doloso lato sensu (assim compreendidos os modos de privação, de cunho intencional e ilícito, da vida de determinada pessoa) devem ser reconhecidas e contempladas por meio de tipos penais a espelharem as distintas gravidades de cada fato, uma vez que o enquadramento penal da situação fática é norteado pela conjugação de elementos peculiares ao respectivo contexto, que definirão o grau de gravidade da conduta correspondente (tais quais, a especificidade da relação entre o autor do fato e a vítima, o móvel da atuação criminosa, a circunstância em que o ilícito penal foi praticado e os meios empregados pelo sujeito ativo do delito), de sorte que seja estatuída, pelo Direito Penal Positivo, “uma graduação na gravidade dos fatos que corresponda a uma graduação nos níveis de severidade da pena aplicável” (tradução livre nossa).

Detectou-se, conforme as ponderações da Corte IDH no caso Hilaire e outros, reforçadas no caso Boyce, a existência de processo penal arbitrário no Caribe anglófono, assinalado pela imposição mecânica e genérica da pena de morte para toda pessoa declarada, pelo Poder Judiciário, culpada pela prática de homicídio doloso, no bojo de feito penal cujo deslinde ocorre à revelia seja das circunstâncias peculiares ao acusado, seja das circunstâncias específicas do crime por ele praticado, conjuntura processual penal na qual se sobressai a impossibilidade jurídica de que tal sanção penal seja comutada por meio de revisão judicial.

Frisou-se que o entendimento da Corte Interamericana de Direitos Humanos consignado no caso Hilaire, Constantine e Benjamin e outros versus Trindade e Tobago foi ratificado pela Corte IDH no caso Boyce e outros versus Barbados, nos §§ 57 a 63 da sua sentencia de 20 de novembro de 2007, ao se debruçar sobre o artigo 2.º da Lei de Delitos contra a Pessoa de Barbados de 1994, segundo o qual toda pessoa condenada por murder (homicídio doloso ou intencional em sentido amplo) será sentenciada com pena de morte.

Denotou-se que o posicionamento da Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre o jaez arbitrário da pena de morte automática e obrigatória, expendido, de forma paradigmática, seja no caso Hilaire, Constantine e Benjamin e outros versus Trindade e Tobago, seja no caso no caso Boyce e outros versus Barbados, constitui jurisprudência consolidada, refletida no julgamento do caso Dacosta Cadogan versus Barbados (sentencia de 24 de setembro de 2009, §§ 50 a 75), em que a Corte IDH reiterou a inconvencionalidade da pena capital compulsória cominada pelo artigo 2.º da Lei de Delitos contra a Pessoa de Barbados de 1994.

Consignou-se que, quanto ao repúdio à pena de morte, pela jurisprudência iterativa da Corte Interamericana de Direitos Humanos, destaca-se, ainda, o controle de convencionalidade efetuado pela Corte IDH relativamente ao Código Penal da Guatemala (Decreto n.º 17-73, de 27 de julho de 1973), em seus artigos 175 (delito de “plagio o secuestro”) e 201 (delito de “violación calificada”).

Remarcou-se que a matriz jurídica e fonte histórica da pena de morte compulsória, genérica e automática, imanente à legislação penal dos Estados caribenhos de língua inglesa, deve-se, conforme recorda, no Comitê Judicial do Privy Council do Reino Unido, o voto proferido pelo Lorde Leonard Hubert Hoffman no julgamento levado a efeito em 7 de julho de 2004, em Boyce & Anor v R (Barbados), à influência residual da legislação penal britânica do século XIX, corporificada no artigo 3.º da Lei de Delitos contra a Pessoa de 1828, reiterado pelo artigo 1.º da posterior Lei de Delitos contra a Pessoa, de 1861, dispositivos legais que determinavam a aplicação da pena de morte em caso de homicídio doloso em sentido amplo (rememore-se, delito de murder).

Recordou-se que, de acordo com o retrospecto delineado pelo Lorde Hoffman, em meados do século XX, na Grã-Bretanha, a Parte II da Lei de Homicídio de 1957 restringia a pena de morte a hipóteses de homicídio doloso (lato sensu) classificadas por esse diploma legislativo como “capitais”. Todavia, a Lei de Homicídio Doloso de 1965 (Abolição da Pena de Morte) não só revogou o artigo 1.º da Lei de Delitos contra a Pessoa de 1861, como também aboliu a pena capital para todas as circunstâncias relativas a murder.

Inferiu-se que, em que pese, no Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte, no decorrer das décadas de 1960 e 1970, a legislação de crimes de homicídio doloso em sentido amplo tenha se tornado formalmente abolicionista (abolicionista de jure), a legislação penal do Caribe anglófono, à época, manteve-se inerte, perpetuando a previsão de pena de morte obrigatória para os delitos de murder, eco remanescente da legislação britânica novecentista, devido à singular característica da maioria das Constituições dos Estados independentes do Caribe de língua oficial inglesa, as quais mantiveram, em caráter perene, “cláusulas de exclusão” (saving clauses) de caráter geral, cuja extirpação do Direito Constitucional Positivo exige processo dificultoso de reforma constitucional e as quais, em geral, interditam o controle de constitucionalidade das normas originalmente criadas pelo Direito Colonial, é dizer, impossibilitam o Poder Judiciário de declarar não recepcionada, pela ordem constitucional do Estado soberano correspondente, normas jurídicas cuja vigência se iniciou antes que a respectiva nação caribenha de língua inglesa alcançasse a sua emancipação política da ex-metrópole britânica ou estabelecesse a nova ordem constitucional, no caso de segunda Constituição pós-independência.

Constatou-se que as características comuns à maioria dos Estados soberanos de língua inglesa do Caribe quatripartem-se (1) na adaptação do modelo britânico de democracia parlamentarista, com a criação de sistema bicameral, temperado com características próprias dos Estados caribenhos, e a codificação de normas convencionais, é dizer, de normas de matriz consuetudinária originalmente forjadas no parlamentarismo britânico, (2) na elaboração de Constituições pós-independência de caráter escrito e codificado, imbuídas quer de Bill of Rights (Carta de Direitos Fundamentais), quer de cláusulas que permitem divisar a separação de poderes, quer de dispositivos que recepcionaram in totum o Direito Colonial na ordem constitucional soberana e o imunizam do controle de constitucionalidade, (3) na perpetuação da pena de morte obrigatória, (4) na manutenção do Comitê Judiciário do Privy Council do Reino Unido, na condição de Corte Final de Apelação ou Tribunal de Última Instância, e (5) na possibilidade de se provocar a atuação da Corte Interamericana de Direitos Humanos e do Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas.

Viu-se que, a despeito de as “cláusulas de exclusão” terem dado vazão ao propósito ponderável, compatível com o primado da manutenção da segurança jurídica, de salvaguardar a continuidade de ordenamento jurídico após a independência política dos atuais Estados soberanos do Caribe de língua oficial inglesa e serem o reflexo da compreensível preocupação do legislador constitucional de prevenir a gênese de retrocessos legislativos de cariz autoritário e afrontosos à Bill of Rights (Carta de Direitos Fundamentais) da respectiva Carta Magna, as saving clauses, como se percebe no caso da pena de morte obrigatória e automática, ocasionam a petrificação da respectiva ordem jurídica caribenha, atrelando-a a normas jurídicas legislativas e consuetudinárias hoje consideradas retrógradas, sob o prisma da proteção internacional dos direitos humanos e do constitucionalismo contemporâneo, e que já foram, em décadas pretéritas, expungidas do ordenamento jurídico da antiga metrópole britânica.

Alertou-se que a tendência contemporânea do Caribe de matriz jurídica anglo-saxônica direcionada ao abolicionismo, principalmente, pela abolição de facto (ausência ou redução significativa de condenações penais e execuções por pena de morte), afigura-se frágil, uma vez que, conforme se depreende do mencionado exemplo filipino, países que tradicionalmente acolheram a pena de morte propendem a ser palco de influentes movimentos políticos a militarem para a sua restauração, mesmo quando abolida formalmente, como é o caso das Filipinas. O fenômeno do endurecimento penal experimentado pelo Caribe de língua oficial inglesa na década de 2000, atrás relatado, é sintoma de que, no Caribe anglófono, pode recrudescer, no futuro, o quantitativo quer de sentenças penais condenatórias a determinarem a aplicação da pena de morte, quer de execuções da pena capital.

Esclareceu-se que a controvérsia se a Corte Caribenha de Justiça teria o condão de fomentar o avanço da abolição de facto e, mormente, de jure da pena de morte no Caribe anglófono tem como substrato a peculiaridade de que a CCJ possui natureza híbrida, na medida em que atua tanto como Tribunal Internacional quanto como Tribunal de Última Instância.

Explicou-se que, na qualidade de Corte Internacional, a CCJ desempenha a competência jurisdicional originária, de observância compulsória, primordialmente na condição de guardiã e intérprete definitiva do Tratado de Chaguaramas, de 4 de julho de 1973, que estabeleceu a Comunidade Caribenha e o Mercado Comum (Caribbean Community and Common Market), mais conhecida como CARICOM. O Tratado Revisado de Chaguaramas, de 5 de julho de 2001, redirecionou o foco econômico da CARICOM, com o desiderato mais ousado de viabilizar a formação não mais de mercado comum, e sim de mercado único caribenho.

Dilucidou-se que, por outro lado, na condição de Tribunal de Última Instância, a competência recursal da Corte Caribenha de Justiça foi concebida com o propósito político de completar o processo ainda em curso de descolonização e decolonização judiciais do Caribe anglófono, de maneira que a instância máxima do Poder Judiciário dos Estados caribenhos de língua inglesa fosse a CCJ, e não mais o Comitê Judiciário do Privy Council, órgão jurisdicional britânico também referido pela sigla JCPC (Judicial Committee of the Privy Council), a quem coube, dos séculos XVI a XX, processar e julgar apelações oriundas de Tribunais Coloniais, inclusive do Caribe, o qual ainda possui papel relevante como Corte Final de Apelação de parcela de Estados vinculados à “Commonwealth of Nations” (antiga Comunidade Britânica de Nações), associação de Direito Internacional presidida pela Coroa britânica, composta, em sua maioria, por Estados nacionais soberanos que integraram o extinto Império britânico.

Destacou-se que, devido a processos dificultosos de reforma constitucional, referendos fracassados e a ausência tanto de interesse político quanto de consenso social, perdura a circunstância de que, apesar de os quinze membros plenos da CARICOM se sujeitarem à jurisdição da Corte Caribenha de Justiça, na qualidade de Tribunal Internacional, desse elenco apenas Barbados, Belize, Dominica e Guiana adotam a CCJ como Corte Final de Apelação, porquanto Antígua e Barbuda, Bahamas, Granada, Jamaica, Santa Lúcia, São Cristóvão e Névis, São Vicente e Granadinas e Trindade e Tobago permanecem, em sua organização judiciária, atrelados ao Comitê Judiciário do Privy Council como Tribunal de Última Instância.

Evidenciou-se que, na sua jurisprudência da década de 2010, o Comitê Judiciário do Privy Council, como Tribunal de Última Instância da maioria dos Estados independentes do Caribe de língua oficial inglesa, propendeu (a) a se abster de invalidar, sob o prisma do Direito Constitucional Positivo, a parcela das leis penais que, preexistentes à independência política do respectivo Estado caribenho, encerrasse tipos penais imbuídos de preceitos secundários a preverem a aplicação da pena de morte de forma compulsória (normas jurídicas pré-independência a prescreverem a imposição da pena capital a título de única pena cabível, sem a possibilidade de eventual comutação), (b) a limitar o controle incidental de constitucionalidade, pelo próprio JCPC, à gama de preceitos secundários a cominarem a pena de morte por meio de dispositivos legais que ingressaram na ordem jurídica interna após a independência do Estado caribenho demandado e (c) a devolver os autos ao Estado de origem, determinando a comutação de penas de morte, quer porque aplicadas com espeque em leis penais pós-independência declaradas inconstitucionais pelo JCPC (controle incidental de constitucionalidade), quer porque referentes a réus com deficiência mental (ou a determinar o reexame da matéria pelo Poder Judiciário local, para que se pronunciasse sobre a alegada deficiência mental do réu), quer porque atinentes a apenados com mais de cinco anos no “corredor da morte”, para que o próprio Poder Judiciário do Estado recorrido, por meio da sua Corte de Apelação ou órgão judiciário equivalente, procedesse à prolação de nova sentença penal. Na década de 2010, no que se refere à pena de morte automática e obrigatória, preponderaram julgados referentes à República de Trindade e Tobago.

Notou-se que a jurisprudência do Comitê Judiciário do Privy Council, ao longo da década de 2010, evitou chancelar a interpretação sistemática da Constituição trinitário-tobagense de 1976, exegese que propiciaria margem de discricionariedade judicial à aplicação da pena de morte, caso houvesse sido preservado o constructo pretoriano hasteado no caso Roodal, quando o JCPC ensaiou virada em sua jurisprudência que seria, no entanto, rechaçada em acórdãos subsequentes.

Sublinhou-se, no que se refere à polêmica em torno do caráter automático e obrigatório da pena de morte na tessitura jurídica dos Estados independentes do Caribe de língua oficial inglesa, que a Corte Caribenha de Justiça, na década de 2010, embora não tenha se deparado com o quantitativo de casos concretos enfrentados, em tal decênio, pelo Comitê Judiciário do Privy Council, diferenciou-se do JCPC pela linha de argumentação marcadamente decolonial, ao realizar o paradigmático julgamento em conjunto, em 27 de junho de 2018, dos casos Nervais and The Queen e Severin and The Queen.

Depreendeu-se que, nos casos Nervais e Severin, a maioria da Corte Caribenha de Justiça invocou o artigo 4.º, n.º 1, da Ordem de Independência de Barbados, de 30 de novembro 1966, que preconizara a conformação quer à antecedente Lei de Independência de Barbados, quer àquela subsequente Ordem de Independência, de todas as leis existentes, incluindo-se as que já existiam no ordenamento jurídico. Resplendeu-se que, para a maioria formada na Corte Caribenha de Justiça nos casos Nervais e Severin, conquanto essa interpretação constitucional não pudesse remover as máculas do regime colonial, encontrava-se consentânea com o anseio da sociedade de que as leis se ajustassem à Constituição, ante o seu cariz de lei suprema da Nação barbadense, e não se calcificassem, como se estivessem a refletir, ad aeternum, o panorama jurídico do período colonial.

Detectou-se que, de acordo com essa perspectiva constitucional, abraçada pelo voto majoritário nos casos Nervais e Severin, a obrigatoriedade da pena de morte, divisada pelo artigo 2.º da Lei de Delitos contra a Pessoa de 1868, não fora recepcionada pela ordem constitucional de 1966, uma vez que o artigo 4.º, n.º 1, da Ordem de Independência de Barbados, de 30 de novembro de 1966, impusera a conformação das normas jurídicas coloniais à Constituição barbadiana que surgiu no seio daquela Ordem de Independência.

Observou-se que a supremacia da Constituição barbadiana seria beneficiada pela clivagem levada a efeito pelo artigo 4.º, n.º 1, daquela Ordem de Independência, que determinava a conformação das normas jurídicas coloniais ao disposto não só na Lei de Independência de Barbados, como também na supracitada Ordem de Independência, cujo conteúdo global abrangia, em seus anexos, a própria Constituição do novo Estado caribenho, de sorte que conformar o Direito Colonial, de forma explícita, à Ordem de Independência implicaria, de maneira implícita, harmonizá-lo com a Constituição veiculada em tal Ordem.

Resplandeceu-se que, partindo da premissa de que a ordem constitucional de 1966, por meio do filtro encaixilhado no artigo 4.º, n.º 1, da Ordem de Independência de 1966, depurara a pena de morte divisada pelo artigo 2.º da Lei de Delitos contra a Pessoa de Barbados de 1868 de índole compulsória, convolando-a em pena de morte doravante discricionária (sujeita ao juízo discricionário do Poder Judiciário), a Corte Caribenha de Justiça concluiu que o artigo 2.º da Lei de Delitos contra a Pessoa de Barbados de 1994 não estava imunizado pela cláusula geral de exclusão do Direito Colonial encastoada no artigo 26 da Constituição de Barbados de 1966.

Obtemperou-se que os casos Nervais e Severin se diferenciam do julgamento, em 8 de novembro de 2006, pela Corte Caribenha de Justiça, do caso Boyce. No julgado da década de 2000, a CCJ se devotou a expender balizas pretorianas, para que o Privy Councilde Barbados, como órgão colegiado do Poder Executivo, pudesse assegurar equidade processual ao réu sentenciado com pena de morte, ao assim o BPC proceder no desempenho da sua atribuição de assessoramento superior de recomendar ou não ao Governador-Geral o exercício da potestade da misericórdia, por meio da eventual comutação, pelo governante, da pena capital, em circunstâncias em que são recorrentes marchas e contramarchas, enquanto aquele que se encontra “no corredor da morte” aguarda o deslinde de recursos judiciais no âmbito do Poder Judiciário local e do Comitê Judiciário do Privy Council do Reino Unido, da apreciação de suas petições no seio do sistema interamericano de proteção dos direitos humanos e/ou de pleitos perante a Chefia do Poder Executivo.

Enfatizou-se que, no caso Boyce, a Corte Caribenha de Justiça seguiu os passos da jurisprudência do Comitê Judiciário do Privy Council de mitigar a repercussão negativa da cláusula geral de exclusão sobre os direitos fundamentais dos condenados à pena de morte, ao delinear limitações temporais para o processamento e julgamento de recursos internos e garantir ao apenado o direito de impugnar a sua condenação à pena capital perante os sistemas interamericano e internacional de proteção dos direitos humanos.

Contrastou-se que, nos casos Nervais e Severin, a Corte Caribenha de Justiça deu passo além daquele que o Comitê Judiciário do Privy Council ensaiou no caso Roodal, para depois o próprio JCPC revertê-lo em sua jurisprudência posterior, centrada no caso Matthew, ou seja, a CCJ, por meio do voto majoritário em Nervais e Severin, formulou construção jurisprudencial que transcende o passo anterior dado por ela, no caso Boyce, de se pronunciar sobre os direitos processuais e procedimentais dos condenados à pena de morte, na medida em que, nos casos Nervais e Severin, a CCJ dedicou-se a edificar doutrina judicial própria, diferenciada daquela do JCPC e dotada de tonalidades decoloniais, que, mediante a interpretação sistemática do Direito Constitucional Positivo, o manejo do que se chama, no Direito brasileiro, de instituto da recepção, quanto à legislação infraconstitucional oriunda do período colonial, e o cotejo com o Direito Internacional dos Direitos Humanos, propicia a superação do efeito imunizante da cláusula geral de exclusão sobre a legislação penal que preceitua a aplicação da pena de morte em termos automáticos e obrigatórios e, por conseguinte, assegura a discricionariedade do Poder Judiciário do Caribe de língua oficial inglesa, a fim de que, de maneira independente, possa aquilatar a aplicação da pena de morte, de forma individualizada, conforme as circunstâncias do crime e do réu.

Frisou-se que o julgamento, pela Corte Caribenha de Justiça, dos casos Nervais e Severin clarifica a plausibilidade, vaticinada pela literatura especializada, de que a CCJ consubstancie locus de irradiação de nova jurisprudência para o Caribe de língua oficial inglesa, por meio da qual seja sedimentado sistema de precedentes de defesa dos direitos humanos em face da pena de morte obrigatória e de outras questões caras à salvaguarda da dignidade da pessoa humana, de sorte que, revestida da legitimidade de Tribunal de Última Instância a exprimir, de modo genuíno, a identidade caribenha, possa concluir o processo de descolonização judicial do Caribe anglófono, assentar jurisprudência regional de viés decolonial (não só descolonizar, mas pensar em termos decoloniais) e fortalecer a afirmação e efetividade dos direitos humanos na Comunidade Caribenha de modo geral.

In: FROTA, H. A. da. A pena de morte automática e obrigatória no Caribe anglófono: raízes coloniais e jurisprudência internacional. O Direito, Lisboa, v. 154, n. 4, 2022, p. 707-715.

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Como citar a referência bibliográfica: FROTA, Hidemberg Alves da. A pena de morte automática e obrigatória no Caribe anglófono: raízes coloniais e jurisprudência internacional. O Direito, Lisboa, v. 154, n. 4, p. 667-726, 2022.