“1 Kingsbury propõe que a norma de reconhecimento de Hart, na esfera do Direito Administrativo Global, seja adaptada a tonalidades publicísticas harmônicas — depreende-se — com o interesse geral da humanidade, inclusive no tocante à crescente demanda popular por transparência. Almeja a construção de Direito Administrativo Global norteado por prática normativa comum abraçada pela consciência dos povos como obrigatória e ínsita à práxis e à Principiologia de Direito Público nacional, transnacional e internacional.
2 Mitchell e Farnik preconizam que os princípios basilares do Direito Público dos ordenamentos jurídicos domésticos devem alicerçar o desenvolvimento dos mecanismos, procedimentos e normas do Direito Administrativo Global. Meilán Gil entende que os direitos humanos devem consistir no corpo jurídico comum e eixo da Principiologia jurídica da ação administrativa global. Palombella ressalta que a edificação da ordem jurídica do Direito Administrativo Global implica a interface e a interação com as demais ordens jurídicas, mediante a cooperação dos Estados nacionais e de outros entes políticos, judiciais e administrativos (exempli gratia, a União Europeia).
3 A fisiologia do Direito Administrativo Global se adéqua a uma legalidade lato sensu, com sentido de juridicidade, em sintonia com a tendência atual de se dilatar o princípio da legalidade, em favor do controle da atividade administrativa à luz dos princípios jurídicos. Ao se divisar a legalidade em sentido amplo, a traduzir juridicidade, apregoa-se conformar a atuação dos atores do espaço administrativo global a um plexo normativo esculpido por uma matriz principiológica pluralista, haurida de múltiplos ordenamentos jurídicos.
4 Embora se perceba a vocação principiológica do Direito Administrativo Global e a importância desse ramo jurídico, à vista do ambiente regulatório contemporâneo, nota-se, de outra banda, a dificuldade de se definir a espinha dorsal principiológica do DAG, em virtude (a) da ausência de consenso mundial em torno da universalidade dos direitos humanos e dos princípios publicistas democráticos, (b) da infiltração, no cenário regulatório, dos poderes político e econômico dos países mais desenvolvidos, por vezes a esvaziar, no caso concreto, a atuação de organismos multilaterais, e (c) do complexo manejo do soft law, composto por normas jurídicas que, não vinculantes sob o prisma formal (ad exemplum, recomendações de organismos internacionais, tais quais a OCDE, o Banco Mundial e o FMI), possuem alta força persuasiva.
5 Nesse cenário, urge organizar o espaço administrativo global, perquirindo-se, de plano, (a) seus princípios comuns (tendo-se por ponto de partida, consoante obtempera Rodríguez-Arana Muñoz, a Declaração Universal dos Direitos Humanos e a cláusula do Estado de Direito), assim como (b) as alternativas para se colmatar a plêiade de fragilidades dessa incipiente ambiência jurídica (simbolizada pelo déficit de balizas jurídicas sedimentadas, de legitimidade democrática, de participação popular, de publicidade-transparência, de segurança jurídica e de isonomia), (c) aprofundando-se em escala mundial a pesquisa sobre a Principiologia do DAG (calha evitar que o DAG seja o reflexo preponderante de uma corrente de pensamento doutrinal teuto-anglo-europeia ou ocidental) e (d) se enxergando no Direito Administrativo Global vetor democrático, irmanado com o constitucionalismo global (refundação da ordem mundial esteada no constitucionalismo global, e não apenas o gradual aperfeiçoamento do controle da atividade regulatória global), além de se pensar (e) como compatibilizar a heterohierarquia, a multidimensionalidade e o pluralismo sistêmico com a construção das pilastras principiológicas comuns do DAG, (f) como modelar cada regime regulatório global, sem desnaturar as suas peculiaridades, à luz do interesse geral da humanidade, e (g) como depurar o espaço administrativo global da primazia do interesse dos grupos econômicos multinacionais e transnacionais, bem como das nações industrializadas e pós-industrializadas, em prejuízo da igualdade de armas (aspecto assinalado por Chesterman) e, em consequência, em detrimento da maioria dos povos e nações, desprovida de elevado poder econômico, militar e político.”
Como citar este trecho:
Cf. FROTA,
Hidemberg Alves da Frota. A norma de reconhecimento e o caráter publicista do
Direito Administrativo Global. In: MARRARA, Thiago (Org.). Direito
Administrativo: transformações e tendências. São Paulo: Almedina, 2014. p.
201-203.
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