“[...] os direitos existenciais agasalham a faculdade de o indivíduo, ao experienciar o desconforto e a insuficiência, ao estranhar, ao se assombrar e ao se inquietar, avaliar a experiência e a posição nas quais se insere, para que possa enfrentar a realidade e retomar a sua existência, assim como a sua liberdade e mobilidade. [...]
[...]
Os direitos existenciais relacionam-se com
o direito de que todos sejam respeitados como singulares, tendo em mira “a
singularidade que somos nas contingências da vida” (Protasio, 2017, p. 108), à
proporção que, na vida concreta, o eu passa a se criar, a transparecer a si
mesmo e aos demais o seu modo de existir, a se assumir perante a si mesmo, a
família e a sociedade, a “decidir” por si próprio. O indivíduo confere contornos
singulares ao seu existir oriundos desse movimento de assenhorar-se da tutela
da própria existência. [...]
[...]
[...] Nessa ordem de ideias, nos direitos
existenciais reside o direito de o indivíduo se haver com a própria existência,
considerando os atravessamentos do contexto situativo em que ele é posicionado,
na medida em que decide se acolhe ou rejeita o si mesmo a ele dado, sem que,
contudo, possa fugir ou escapar de si próprio (Vieira; Feijoo; Protasio, 2024).
[...]
No imo dos direitos existenciais assenta-se
o direito à liberdade de existir na concretude em que se manifesta a vida.
Significa dizer: pertence à esfera dos direitos existenciais o direito de cada
indivíduo à tutela da sua própria existência (Feijoo et al., 2013). [...] Assim, nos direitos existenciais, abriga-se a
faculdade de o humano contemplar a sua própria existência, para que tenha o
direito de “encontrar, na tessitura de sua existência, a sua medida” (Magnan;
Feijoo, 2020, p. 104), o que implica ter o direito de abrir-se para campo de possíveis
a extrapolar a seara das possibilidades “sedimentadas no nosso horizonte
histórico” (Magnan; Feijoo, 2020, p. 105), ainda que venha a divergir do que
seria a medida da sua existência incensada, por exemplo, pelos referenciais
extraídos da vida em sociedade, em comunidade e em família.
[...]
Na esfera do direito existencial ao
cuidado de si mesmo inclui-se o direito de “dar um passo atrás das referências
postas pelos modelos normativos e moralizantes que se impõem em um determinado
horizonte histórico” (Feijoo, 2017, p. 141-142), consubstanciados nas verdades,
pressupostos, saberes e consensos de dada época, normatizados por meio de
instâncias de poder, como as de cunho médico, jurídico e sacerdotal, as quais,
entre outras, posicionam o modo como cada um deve proceder em deferência aos
ditames da saúde, da ordem e da paz de certo horizonte histórico e, em
consequência, afastam, de modo recorrente, o indivíduo da medida que ele “pode
conquistar no âmbito do próprio existir” (Feijoo, 2017, p. 142). Não se trata
de refutar a relevância do conhecimento médico-científico, nem de olvidar o
valor da segurança jurídica, tampouco de deslegitimar a religiosidade, e sim de
ponderar, em uma atitude filosófica, em que medida saberes, valores,
referências ou referenciais que se normatizam e se tornam instrumentos de poder
podem assumir caráter opressivo, ao delimitarem e definirem modos de existir.
São emblemáticas as situações em que os poderes médico, jurídico e religioso,
entre outros, foram conjugados e instrumentalizados para o fomento à eugenia,
ao racismo estrutural, ao colonialismo, à violência de gênero e à repressão a
identidades de gênero e orientações sexuais diversas do modelo cisheteronormativo.
[...]
Nesse caminhar, nota-se que, nos direitos
existenciais, arrima-se o direito à diversidade existencial, amparando-se a
faculdade de o indivíduo opor-se a caminhos únicos nos planos estético e ético.
[...]
O direito à diversidade existencial é o
direito de liberdade que lhe franqueia, na (re)descoberta da sua própria gama
de valores, critérios e referenciais, no movimento de resgate e preservação de
si próprio, pelo exercício da paciência, distender seus horizontes e cogitar
modos diversos de existir e possibilidades de escolha distintas daquelas que
são alçadas ao patamar de mandamentos sociais, a fim de que não mais seja
subalternizado pelo impessoal, ou seja, para que não mais seja mero caudatário
dos usos, costumes e modismos, bem como das demandas e expectativas alheias,
tais quais aquelas promanadas dos campos social, profissional e familiar. A
interface entre o direito ao cuidado de si mesmo, o direito à singularidade, o
direito à rearticulação e ao direito à diversidade existenciais permite ao
indivíduo reservar-se ao direito de desfazer laços de ilusão, de enfrentar
dúvidas e dilemas até então paralisantes e reencontrar a si mesmo, nesse
pacientar, em que questiona e não mais adere, por automatismo, a padrões
sociais de felicidade, bem-estar, beleza estética, produtividade, alta performance, prosperidade material e
usufruto de bens de consumo (Feijoo; Protasio, 2023).
Em outras palavras, na esfera dos direitos
existenciais, acolhe-se o direito de o indivíduo desfazer os seus próprios
laços de ilusão, de optar por não mais estar perdido em meios às solicitações,
demandas e exigências do mundo, próprias da sociedade de massa, em que a
verdade passa a ser o que se difunde e anuncia pela publicidade (Feijoo, 2017),
ou seja, aquilo que é divulgado ao público e para o público se torna a
expressão da verdade. É o direito existencial de não ser mero reprodutor das
prescrições da sociedade em geral e de re(descobrir) os seus próprios
“critérios, referenciais e valores” (Feijoo, 2008, p. 311). Trata-se do direito
existencial de sair da paralisia das dúvidas e de recobrar a autonomia para
decidir e escolher, abandonando a postura passiva de quem, imerso na multidão, encoberto
no (e camuflado pelo) impessoal, segue os rumos ditados pelo geral (Feijoo,
2008), isto é, pelos meios de comunicação, pelas redes sociais, pelos
algoritmos, pelas plataformas de inteligência artificial, pelas ideologias e
doutrinas em voga, pelos usos e costumes, pelas agências de propaganda, pela
máquina de publicidade, pela moda, pelos modismos e pelas invencionices.
Cuida-se, também, do direito existencial de não mais justificar o seu agir
nessa aderência subalternizada ao exterior (Feijoo, 2008).”
Leia o inteiro teor deste paper aqui.
Como citar este artigo acadêmico:
FROTA, H. A. da.
Os direitos existenciais: doutrina, jurisprudência e leituras kierkegaardianas.
Revista Jurídica UNIGRAN, Dourados (MS), v. 26, n. 52, p. 25-54, jul.-dez.
2024. Disponível em: https://www.unigran.br/dourados/revistas/juridica. Acesso
em: 21 fev. 2025.
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