Percebeu-se a
atualidade da orientação jurisprudencial do Comitê de Direitos Humanos da
Organização das Nações Unidas esposada nos casos Mwamba v. Zâmbia (Comunicação
n.º 1.520/2006, § 6.3), julgado em 10 de março de 2010, Larrañaga v.
Filipinas (Comunicação n.º 1.421/2005, § 7.2), julgado em 24 de julho de
2006, Rolando v. Filipinas (Comunicação n.º 1.110/2002, § 5.2),
julgado em 3 de novembro de 2004, Kennedy v. Trindade e Tobago (Comunicação
n.º 845/1998, § 7.3), julgado em 26 de março de 2002, e Thompson v. São
Vicente e Granadinas (Comunicação n.º 806/1998, § 8.2), julgado em 18 de
outubro de 2000, segundo a qual a pena de morte, quando imposta de forma
obrigatória e automática, consiste em privação arbitrária da vida da pessoa
humana, a atrair, por isso, o campo de incidência do artigo 6.º, n.º 1, in
fine, do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (PIDCP), de 16 de
dezembro de 1966, nas situações em que se aplica a pena capital à revelia quer
das circunstâncias do acusado dotadas de índole pessoal, quer das
circunstâncias imanentes ao crime analisado.
Notou-se que, apesar
de tal constructo jurisprudencial remansoso do Comitê de Direitos Humanos da
ONU ter mais de vinte anos de reiteração, ainda há flagrante resistência em sua
observância nos ordenamentos jurídicos domésticos, a ponto (a) de permanecer
vigente, em Trindade e Tobago, a Lei de Delitos contra a Pessoa (Lei 10 de
1925), cujo artigo 4.º preceitua que todas as pessoas condenadas por murder serão
submetidas à pena de morte, e, (b) em São Vicente e Granadinas, no rol de
sanções penais do Código Criminal são-vicentino (consubstanciado no Capítulo
124 das Leis Revisadas de São Vicente e Granadinas), em seu artigo 23,
remanescer, na alínea a, a referência expressa à pena de morte.
Constatou-se que,
sob o prisma da jurisprudência internacional de Direitos Humanos, a questão da
pena capital no Caribe de língua oficial inglesa recebeu aportes relevantes não
só do Comitê de Direitos Humanos da ONU, atrás mencionados, como também da
Corte Interamericana de Direitos Humanos, sobretudo nos acórdãos paradigmáticos
dos casos Hilaire e Boyce.
Lembrou-se que a
inconvencionalidade do caráter automático e obrigatório da pena de morte foi
objeto de análise de mérito, pela primeira vez, pela Corte Interamericana de
Direitos Humanos, no caso Hilaire, Constantine e Benjamin e outros versus Trindade
e Tobago, em sentencia (acórdão) de 21 de junho de 2002, quando a
Corte IDH, ao se debruçar sobre o retrocitado artigo 4.º da Lei dos Delitos
contra a Pessoa de 1925, de Trindade e Tobago, determinou (§ 223, itens 8 e 9)
ao Estado trinitário-tobagense (a) “abster-se de aplicar a Lei de Delitos
contra a Pessoa de 1925”, (b) modificá-la, “em prazo razoável”, com o intento
de adequá-la “às normas internacionais de proteção dos direitos humanos, nos
termos expostos no parágrafo 212” (tradução livre nossa) do aresto em comento,
e, após tal reforma legislativa, (c) tramitar de novo os processos penais
pertinentes aos vinte e oito jurisdicionados que, nos mencionados autos,
litigavam contra o indigitado Estado caribenho, condenados em relação aos quais
foram aplicadas penais capitais, de maneira compulsória, sem a possibilidade de
comutação.
Acentuou-se que a
previsão, pela legislação penal, de hipóteses de homicídio intencional ou
doloso lato sensu (assim compreendidos os modos de privação, de cunho
intencional e ilícito, da vida de determinada pessoa) devem ser reconhecidas e
contempladas por meio de tipos penais a espelharem as distintas gravidades de
cada fato, uma vez que o enquadramento penal da situação fática é norteado pela
conjugação de elementos peculiares ao respectivo contexto, que definirão o grau
de gravidade da conduta correspondente (tais quais, a especificidade da relação
entre o autor do fato e a vítima, o móvel da atuação criminosa, a circunstância
em que o ilícito penal foi praticado e os meios empregados pelo sujeito ativo
do delito), de sorte que seja estatuída, pelo Direito Penal Positivo, “uma
graduação na gravidade dos fatos que corresponda a uma graduação nos níveis de
severidade da pena aplicável” (tradução livre nossa).
Detectou-se,
conforme as ponderações da Corte IDH no caso Hilaire e outros, reforçadas no
caso Boyce, a existência de processo penal arbitrário no Caribe anglófono,
assinalado pela imposição mecânica e genérica da pena de morte para toda pessoa
declarada, pelo Poder Judiciário, culpada pela prática de homicídio doloso, no
bojo de feito penal cujo deslinde ocorre à revelia seja das circunstâncias
peculiares ao acusado, seja das circunstâncias específicas do crime por ele
praticado, conjuntura processual penal na qual se sobressai a impossibilidade
jurídica de que tal sanção penal seja comutada por meio de revisão judicial.
Frisou-se que o
entendimento da Corte Interamericana de Direitos Humanos consignado no caso
Hilaire, Constantine e Benjamin e outros versus Trindade e Tobago foi
ratificado pela Corte IDH no caso Boyce e outros versus Barbados, nos
§§ 57 a 63 da sua sentencia de 20 de novembro de 2007, ao se debruçar
sobre o artigo 2.º da Lei de Delitos contra a Pessoa de Barbados de 1994,
segundo o qual toda pessoa condenada por murder (homicídio doloso ou
intencional em sentido amplo) será sentenciada com pena de morte.
Denotou-se que o
posicionamento da Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre o jaez
arbitrário da pena de morte automática e obrigatória, expendido, de forma
paradigmática, seja no caso Hilaire, Constantine e Benjamin e outros versus Trindade
e Tobago, seja no caso no caso Boyce e outros versus Barbados,
constitui jurisprudência consolidada, refletida no julgamento do caso Dacosta
Cadogan versus Barbados (sentencia de 24 de setembro de 2009, §§
50 a 75), em que a Corte IDH reiterou a inconvencionalidade da pena capital
compulsória cominada pelo artigo 2.º da Lei de Delitos contra a Pessoa de
Barbados de 1994.
Consignou-se que,
quanto ao repúdio à pena de morte, pela jurisprudência iterativa da Corte
Interamericana de Direitos Humanos, destaca-se, ainda, o controle de
convencionalidade efetuado pela Corte IDH relativamente ao Código Penal da
Guatemala (Decreto n.º 17-73, de 27 de julho de 1973), em seus artigos 175
(delito de “plagio o secuestro”) e 201 (delito de “violación calificada”).
Remarcou-se que a
matriz jurídica e fonte histórica da pena de morte compulsória, genérica e
automática, imanente à legislação penal dos Estados caribenhos de língua
inglesa, deve-se, conforme recorda, no Comitê Judicial do Privy
Council do Reino Unido, o voto proferido pelo Lorde Leonard Hubert Hoffman
no julgamento levado a efeito em 7 de julho de 2004, em Boyce & Anor v
R (Barbados), à influência residual da legislação penal britânica do século
XIX, corporificada no artigo 3.º da Lei de Delitos contra a Pessoa de 1828,
reiterado pelo artigo 1.º da posterior Lei de Delitos contra a Pessoa, de 1861,
dispositivos legais que determinavam a aplicação da pena de morte em caso de
homicídio doloso em sentido amplo (rememore-se, delito de murder).
Recordou-se que, de
acordo com o retrospecto delineado pelo Lorde Hoffman, em meados do século XX,
na Grã-Bretanha, a Parte II da Lei de Homicídio de 1957 restringia a pena de
morte a hipóteses de homicídio doloso (lato sensu) classificadas por esse
diploma legislativo como “capitais”. Todavia, a Lei de Homicídio Doloso de 1965
(Abolição da Pena de Morte) não só revogou o artigo 1.º da Lei de Delitos
contra a Pessoa de 1861, como também aboliu a pena capital para todas as
circunstâncias relativas a murder.
Inferiu-se que, em
que pese, no Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte, no decorrer das
décadas de 1960 e 1970, a legislação de crimes de homicídio doloso em sentido amplo
tenha se tornado formalmente abolicionista (abolicionista de jure), a
legislação penal do Caribe anglófono, à época, manteve-se inerte, perpetuando a
previsão de pena de morte obrigatória para os delitos de murder, eco
remanescente da legislação britânica novecentista, devido à singular
característica da maioria das Constituições dos Estados independentes do Caribe
de língua oficial inglesa, as quais mantiveram, em caráter perene, “cláusulas
de exclusão” (saving clauses) de caráter geral, cuja extirpação do Direito
Constitucional Positivo exige processo dificultoso de reforma constitucional e
as quais, em geral, interditam o controle de constitucionalidade das normas
originalmente criadas pelo Direito Colonial, é dizer, impossibilitam o Poder
Judiciário de declarar não recepcionada, pela ordem constitucional do Estado
soberano correspondente, normas jurídicas cuja vigência se iniciou antes que a
respectiva nação caribenha de língua inglesa alcançasse a sua emancipação
política da ex-metrópole britânica ou estabelecesse a nova ordem
constitucional, no caso de segunda Constituição pós-independência.
Constatou-se que as
características comuns à maioria dos Estados soberanos de língua inglesa do
Caribe quatripartem-se (1) na adaptação do modelo britânico de democracia
parlamentarista, com a criação de sistema bicameral, temperado com
características próprias dos Estados caribenhos, e a codificação de normas
convencionais, é dizer, de normas de matriz consuetudinária originalmente
forjadas no parlamentarismo britânico, (2) na elaboração de Constituições
pós-independência de caráter escrito e codificado, imbuídas quer de Bill
of Rights (Carta de Direitos Fundamentais), quer de cláusulas que permitem
divisar a separação de poderes, quer de dispositivos que recepcionaram in
totum o Direito Colonial na ordem constitucional soberana e o imunizam do
controle de constitucionalidade, (3) na perpetuação da pena de morte
obrigatória, (4) na manutenção do Comitê Judiciário do Privy Council do
Reino Unido, na condição de Corte Final de Apelação ou Tribunal de Última
Instância, e (5) na possibilidade de se provocar a atuação da Corte
Interamericana de Direitos Humanos e do Comitê de Direitos Humanos das Nações
Unidas.
Viu-se que, a
despeito de as “cláusulas de exclusão” terem dado vazão ao propósito
ponderável, compatível com o primado da manutenção da segurança jurídica, de
salvaguardar a continuidade de ordenamento jurídico após a independência
política dos atuais Estados soberanos do Caribe de língua oficial inglesa e
serem o reflexo da compreensível preocupação do legislador constitucional de
prevenir a gênese de retrocessos legislativos de cariz autoritário e afrontosos
à Bill of Rights (Carta de Direitos Fundamentais) da respectiva Carta
Magna, as saving clauses, como se percebe no caso da pena de morte
obrigatória e automática, ocasionam a petrificação da respectiva ordem jurídica
caribenha, atrelando-a a normas jurídicas legislativas e consuetudinárias hoje
consideradas retrógradas, sob o prisma da proteção internacional dos direitos
humanos e do constitucionalismo contemporâneo, e que já foram, em décadas
pretéritas, expungidas do ordenamento jurídico da antiga metrópole britânica.
Alertou-se que a
tendência contemporânea do Caribe de matriz jurídica anglo-saxônica direcionada
ao abolicionismo, principalmente, pela abolição de facto (ausência ou
redução significativa de condenações penais e execuções por pena de morte),
afigura-se frágil, uma vez que, conforme se depreende do mencionado exemplo
filipino, países que tradicionalmente acolheram a pena de morte propendem a ser
palco de influentes movimentos políticos a militarem para a sua restauração,
mesmo quando abolida formalmente, como é o caso das Filipinas. O fenômeno do
endurecimento penal experimentado pelo Caribe de língua oficial inglesa na
década de 2000, atrás relatado, é sintoma de que, no Caribe anglófono, pode
recrudescer, no futuro, o quantitativo quer de sentenças penais condenatórias a
determinarem a aplicação da pena de morte, quer de execuções da pena capital.
Esclareceu-se que a
controvérsia se a Corte Caribenha de Justiça teria o condão de fomentar o
avanço da abolição de facto e, mormente, de jure da pena de
morte no Caribe anglófono tem como substrato a peculiaridade de que a CCJ
possui natureza híbrida, na medida em que atua tanto como Tribunal
Internacional quanto como Tribunal de Última Instância.
Explicou-se que, na
qualidade de Corte Internacional, a CCJ desempenha a competência jurisdicional
originária, de observância compulsória, primordialmente na condição de guardiã
e intérprete definitiva do Tratado de Chaguaramas, de 4 de julho de 1973, que
estabeleceu a Comunidade Caribenha e o Mercado Comum (Caribbean Community and
Common Market), mais conhecida como CARICOM. O Tratado Revisado de Chaguaramas,
de 5 de julho de 2001, redirecionou o foco econômico da CARICOM, com o
desiderato mais ousado de viabilizar a formação não mais de mercado comum, e
sim de mercado único caribenho.
Dilucidou-se que,
por outro lado, na condição de Tribunal de Última Instância, a competência
recursal da Corte Caribenha de Justiça foi concebida com o propósito político
de completar o processo ainda em curso de descolonização e decolonização
judiciais do Caribe anglófono, de maneira que a instância máxima do Poder
Judiciário dos Estados caribenhos de língua inglesa fosse a CCJ, e não mais o
Comitê Judiciário do Privy Council, órgão jurisdicional britânico também
referido pela sigla JCPC (Judicial Committee of the Privy Council), a quem
coube, dos séculos XVI a XX, processar e julgar apelações oriundas de Tribunais
Coloniais, inclusive do Caribe, o qual ainda possui papel relevante como Corte
Final de Apelação de parcela de Estados vinculados à “Commonwealth of Nations”
(antiga Comunidade Britânica de Nações), associação de Direito Internacional
presidida pela Coroa britânica, composta, em sua maioria, por Estados nacionais
soberanos que integraram o extinto Império britânico.
Destacou-se que,
devido a processos dificultosos de reforma constitucional, referendos
fracassados e a ausência tanto de interesse político quanto de consenso social,
perdura a circunstância de que, apesar de os quinze membros plenos da CARICOM
se sujeitarem à jurisdição da Corte Caribenha de Justiça, na qualidade de
Tribunal Internacional, desse elenco apenas Barbados, Belize, Dominica e Guiana
adotam a CCJ como Corte Final de Apelação, porquanto Antígua e Barbuda,
Bahamas, Granada, Jamaica, Santa Lúcia, São Cristóvão e Névis, São Vicente e
Granadinas e Trindade e Tobago permanecem, em sua organização judiciária,
atrelados ao Comitê Judiciário do Privy Council como Tribunal de
Última Instância.
Evidenciou-se que,
na sua jurisprudência da década de 2010, o Comitê Judiciário do Privy
Council, como Tribunal de Última Instância da maioria dos Estados independentes
do Caribe de língua oficial inglesa, propendeu (a) a se abster de invalidar,
sob o prisma do Direito Constitucional Positivo, a parcela das leis penais que,
preexistentes à independência política do respectivo Estado caribenho,
encerrasse tipos penais imbuídos de preceitos secundários a preverem a
aplicação da pena de morte de forma compulsória (normas jurídicas
pré-independência a prescreverem a imposição da pena capital a título de única
pena cabível, sem a possibilidade de eventual comutação), (b) a limitar o
controle incidental de constitucionalidade, pelo próprio JCPC, à gama de
preceitos secundários a cominarem a pena de morte por meio de dispositivos
legais que ingressaram na ordem jurídica interna após a independência do Estado
caribenho demandado e (c) a devolver os autos ao Estado de origem, determinando
a comutação de penas de morte, quer porque aplicadas com espeque em leis penais
pós-independência declaradas inconstitucionais pelo JCPC (controle incidental
de constitucionalidade), quer porque referentes a réus com deficiência mental
(ou a determinar o reexame da matéria pelo Poder Judiciário local, para que se
pronunciasse sobre a alegada deficiência mental do réu), quer porque atinentes
a apenados com mais de cinco anos no “corredor da morte”, para que o próprio
Poder Judiciário do Estado recorrido, por meio da sua Corte de Apelação ou
órgão judiciário equivalente, procedesse à prolação de nova sentença penal. Na
década de 2010, no que se refere à pena de morte automática e obrigatória,
preponderaram julgados referentes à República de Trindade e Tobago.
Notou-se que a
jurisprudência do Comitê Judiciário do Privy Council, ao longo da década
de 2010, evitou chancelar a interpretação sistemática da Constituição
trinitário-tobagense de 1976, exegese que propiciaria margem de
discricionariedade judicial à aplicação da pena de morte, caso houvesse sido
preservado o constructo pretoriano hasteado no caso Roodal, quando o JCPC ensaiou
virada em sua jurisprudência que seria, no entanto, rechaçada em acórdãos
subsequentes.
Sublinhou-se, no
que se refere à polêmica em torno do caráter automático e obrigatório da pena
de morte na tessitura jurídica dos Estados independentes do Caribe de língua
oficial inglesa, que a Corte Caribenha de Justiça, na década de 2010, embora
não tenha se deparado com o quantitativo de casos concretos enfrentados, em tal
decênio, pelo Comitê Judiciário do Privy Council, diferenciou-se do JCPC
pela linha de argumentação marcadamente decolonial, ao realizar o paradigmático
julgamento em conjunto, em 27 de junho de 2018, dos casos Nervais and The
Queen e Severin and The Queen.
Depreendeu-se que,
nos casos Nervais e Severin, a maioria da Corte Caribenha de Justiça invocou o
artigo 4.º, n.º 1, da Ordem de Independência de Barbados, de 30 de novembro
1966, que preconizara a conformação quer à antecedente Lei de Independência de
Barbados, quer àquela subsequente Ordem de Independência, de todas as leis
existentes, incluindo-se as que já existiam no ordenamento jurídico.
Resplendeu-se que, para a maioria formada na Corte Caribenha de Justiça nos
casos Nervais e Severin, conquanto essa interpretação constitucional não
pudesse remover as máculas do regime colonial, encontrava-se consentânea com o
anseio da sociedade de que as leis se ajustassem à Constituição, ante o seu
cariz de lei suprema da Nação barbadense, e não se calcificassem, como se
estivessem a refletir, ad aeternum, o panorama jurídico do período
colonial.
Detectou-se que, de
acordo com essa perspectiva constitucional, abraçada pelo voto majoritário nos
casos Nervais e Severin, a obrigatoriedade da pena de morte, divisada pelo
artigo 2.º da Lei de Delitos contra a Pessoa de 1868, não fora recepcionada
pela ordem constitucional de 1966, uma vez que o artigo 4.º, n.º 1, da Ordem de
Independência de Barbados, de 30 de novembro de 1966, impusera a conformação
das normas jurídicas coloniais à Constituição barbadiana que surgiu no seio
daquela Ordem de Independência.
Observou-se que a
supremacia da Constituição barbadiana seria beneficiada pela clivagem levada a
efeito pelo artigo 4.º, n.º 1, daquela Ordem de Independência, que determinava
a conformação das normas jurídicas coloniais ao disposto não só na Lei de
Independência de Barbados, como também na supracitada Ordem de Independência,
cujo conteúdo global abrangia, em seus anexos, a própria Constituição do novo
Estado caribenho, de sorte que conformar o Direito Colonial, de forma
explícita, à Ordem de Independência implicaria, de maneira implícita,
harmonizá-lo com a Constituição veiculada em tal Ordem.
Resplandeceu-se
que, partindo da premissa de que a ordem constitucional de 1966, por meio do
filtro encaixilhado no artigo 4.º, n.º 1, da Ordem de Independência de 1966, depurara
a pena de morte divisada pelo artigo 2.º da Lei de Delitos contra a Pessoa de
Barbados de 1868 de índole compulsória, convolando-a em pena de morte doravante
discricionária (sujeita ao juízo discricionário do Poder Judiciário), a Corte
Caribenha de Justiça concluiu que o artigo 2.º da Lei de Delitos contra a
Pessoa de Barbados de 1994 não estava imunizado pela cláusula geral de exclusão
do Direito Colonial encastoada no artigo 26 da Constituição de Barbados de
1966.
Obtemperou-se que
os casos Nervais e Severin se diferenciam do julgamento, em 8 de novembro de
2006, pela Corte Caribenha de Justiça, do caso Boyce. No julgado da década de
2000, a CCJ se devotou a expender balizas pretorianas, para que o Privy
Councilde Barbados, como órgão colegiado do Poder Executivo, pudesse assegurar
equidade processual ao réu sentenciado com pena de morte, ao assim o BPC
proceder no desempenho da sua atribuição de assessoramento superior de
recomendar ou não ao Governador-Geral o exercício da potestade da misericórdia,
por meio da eventual comutação, pelo governante, da pena capital, em
circunstâncias em que são recorrentes marchas e contramarchas, enquanto aquele
que se encontra “no corredor da morte” aguarda o deslinde de recursos judiciais
no âmbito do Poder Judiciário local e do Comitê Judiciário do Privy
Council do Reino Unido, da apreciação de suas petições no seio do sistema
interamericano de proteção dos direitos humanos e/ou de pleitos perante a
Chefia do Poder Executivo.
Enfatizou-se que,
no caso Boyce, a Corte Caribenha de Justiça seguiu os passos da jurisprudência
do Comitê Judiciário do Privy Council de mitigar a repercussão
negativa da cláusula geral de exclusão sobre os direitos fundamentais dos
condenados à pena de morte, ao delinear limitações temporais para o
processamento e julgamento de recursos internos e garantir ao apenado o direito
de impugnar a sua condenação à pena capital perante os sistemas interamericano
e internacional de proteção dos direitos humanos.
Contrastou-se que,
nos casos Nervais e Severin, a Corte Caribenha de Justiça deu passo além
daquele que o Comitê Judiciário do Privy Council ensaiou no caso
Roodal, para depois o próprio JCPC revertê-lo em sua jurisprudência posterior,
centrada no caso Matthew, ou seja, a CCJ, por meio do voto majoritário em
Nervais e Severin, formulou construção jurisprudencial que transcende o passo
anterior dado por ela, no caso Boyce, de se pronunciar sobre os direitos
processuais e procedimentais dos condenados à pena de morte, na medida em que,
nos casos Nervais e Severin, a CCJ dedicou-se a edificar doutrina judicial
própria, diferenciada daquela do JCPC e dotada de tonalidades decoloniais, que,
mediante a interpretação sistemática do Direito Constitucional Positivo, o
manejo do que se chama, no Direito brasileiro, de instituto da recepção, quanto
à legislação infraconstitucional oriunda do período colonial, e o cotejo com o
Direito Internacional dos Direitos Humanos, propicia a superação do efeito
imunizante da cláusula geral de exclusão sobre a legislação penal que preceitua
a aplicação da pena de morte em termos automáticos e obrigatórios e, por
conseguinte, assegura a discricionariedade do Poder Judiciário do Caribe de
língua oficial inglesa, a fim de que, de maneira independente, possa aquilatar
a aplicação da pena de morte, de forma individualizada, conforme as
circunstâncias do crime e do réu.
Frisou-se que o
julgamento, pela Corte Caribenha de Justiça, dos casos Nervais e Severin
clarifica a plausibilidade, vaticinada pela literatura especializada, de que a
CCJ consubstancie locus de irradiação de nova jurisprudência para o
Caribe de língua oficial inglesa, por meio da qual seja sedimentado sistema de
precedentes de defesa dos direitos humanos em face da pena de morte obrigatória
e de outras questões caras à salvaguarda da dignidade da pessoa humana, de
sorte que, revestida da legitimidade de Tribunal de Última Instância a
exprimir, de modo genuíno, a identidade caribenha, possa concluir o processo de
descolonização judicial do Caribe anglófono, assentar jurisprudência regional
de viés decolonial (não só descolonizar, mas pensar em termos decoloniais) e
fortalecer a afirmação e efetividade dos direitos humanos na Comunidade
Caribenha de modo geral.