quinta-feira, 30 de janeiro de 2025

Os dilemas e as encruzilhadas do Direito Administrativo Global

 “1 Kingsbury propõe que a norma de reconhecimento de Hart, na esfera do Direito Administrativo Global, seja adaptada a tonalidades publicísticas harmônicas — depreende-se — com o interesse geral da humanidade, inclusive no tocante à crescente demanda popular por transparência. Almeja a construção de Direito Administrativo Global norteado por prática normativa comum abraçada pela consciência dos povos como obrigatória e ínsita à práxis e à Principiologia de Direito Público nacional, transnacional e internacional.

2 Mitchell e Farnik preconizam que os princípios basilares do Direito Público dos ordenamentos jurídicos domésticos devem alicerçar o desenvolvimento dos mecanismos, procedimentos e normas do Direito Administrativo Global. Meilán Gil entende que os direitos humanos devem consistir no corpo jurídico comum e eixo da Principiologia jurídica da ação administrativa global. Palombella ressalta que a edificação da ordem jurídica do Direito Administrativo Global implica a interface e a interação com as demais ordens jurídicas, mediante a cooperação dos Estados nacionais e de outros entes políticos, judiciais e administrativos (exempli gratia, a União Europeia).

3 A fisiologia do Direito Administrativo Global se adéqua a uma legalidade lato sensu, com sentido de juridicidade, em sintonia com a tendência atual de se dilatar o princípio da legalidade, em favor do controle da atividade administrativa à luz dos princípios jurídicos. Ao se divisar a legalidade em sentido amplo, a traduzir juridicidade, apregoa-se conformar a atuação dos atores do espaço administrativo global a um plexo normativo esculpido por uma matriz principiológica pluralista, haurida de múltiplos ordenamentos jurídicos.

4 Embora se perceba a vocação principiológica do Direito Administrativo Global e a importância desse ramo jurídico, à vista do ambiente regulatório contemporâneo, nota-se, de outra banda, a dificuldade de se definir a espinha dorsal principiológica do DAG, em virtude (a) da ausência de consenso mundial em torno da universalidade dos direitos humanos e dos princípios publicistas democráticos, (b) da infiltração, no cenário regulatório, dos poderes político e econômico dos países mais desenvolvidos, por vezes a esvaziar, no caso concreto, a atuação de organismos multilaterais, e (c) do complexo manejo do soft law, composto por normas jurídicas que, não vinculantes sob o prisma formal (ad exemplum, recomendações de organismos internacionais, tais quais a OCDE, o Banco Mundial e o FMI), possuem alta força persuasiva.

5 Nesse cenário, urge organizar o espaço administrativo global, perquirindo-se, de plano, (a) seus princípios comuns (tendo-se por ponto de partida, consoante obtempera Rodríguez-Arana Muñoz, a Declaração Universal dos Direitos Humanos e a cláusula do Estado de Direito), assim como (b) as alternativas para se colmatar a plêiade de fragilidades dessa incipiente ambiência jurídica (simbolizada pelo déficit de balizas jurídicas sedimentadas, de legitimidade democrática, de participação popular, de publicidade-transparência, de segurança jurídica e de isonomia), (c) aprofundando-se em escala mundial a pesquisa sobre a Principiologia do DAG (calha evitar que o DAG seja o reflexo preponderante de uma corrente de pensamento doutrinal teuto-anglo-europeia ou ocidental) e (d) se enxergando no Direito Administrativo Global vetor democrático, irmanado com o constitucionalismo global (refundação da ordem mundial esteada no constitucionalismo global, e não apenas o gradual aperfeiçoamento do controle da atividade regulatória global), além de se pensar (e) como compatibilizar a heterohierarquia, a multidimensionalidade e o pluralismo sistêmico com a construção das pilastras principiológicas comuns do DAG, (f) como modelar cada regime regulatório global, sem desnaturar as suas peculiaridades, à luz do interesse geral da humanidade, e (g) como depurar o espaço administrativo global da primazia do interesse dos grupos econômicos multinacionais e transnacionais, bem como das nações industrializadas e pós-industrializadas, em prejuízo da igualdade de armas (aspecto assinalado por Chesterman) e, em consequência, em detrimento da maioria dos povos e nações, desprovida de elevado poder econômico, militar e político.”

Como citar este trecho:


Cf. FROTA, Hidemberg Alves da Frota. A norma de reconhecimento e o caráter publicista do Direito Administrativo Global. In: MARRARA, Thiago (Org.). Direito Administrativo: transformações e tendências. São Paulo: Almedina, 2014. p. 201-203.

quarta-feira, 8 de janeiro de 2025

As três dimensões do direito à diversidade existencial: leituras fenomenológico-existenciais e decoloniais

 Em sua primeira dimensão, o direito à diversidade existencial consiste em direito de proteção e defesa dos humanos que integram minorias e dos grupos vulneráveis, principalmente ante as práticas de matriz colonial relacionadas com expressões estruturais e sistêmicas de preconceito e discriminação concernentes ao sexismo, ao racismo, ao capacitismo, ao etarismo e à intolerância (esta sobremaneira direcionada tanto a minorias sexuais e de gênero quanto a minorias étnicas e religiosas). Nessa primeira dimensão, o direito à diversidade existencial constitui o direito ao combate à estigmatização da diferença e à proteção e defesa de vítimas de modelos opressivos de normalidade, impostos pela via normativa e naturalizante.

Em sua segunda dimensão, o direito à diversidade existencial consubstancia o direito individual e coletivo de emancipação das maneiras de existir historicamente esculpidas e impostas pela matriz colonial, a fim de que o projeto de ser ou projeto existencial dos humanos pertencentes a povos do Sul (incluindo-se o Sul Global e o Sul Geopolítico) possa se libertar do condicionamento histórico de ter de (ou buscar a todo custo) reproduzir a existência colonizadora. Nessa segunda dimensão, o direito à diversidade existencial é a ressonância jurídica de percursos de lutas dos povos do Sul pela sobrevivência em circunstâncias marcadas pela desigualdade social, racismo e sexismo estruturais, violência identitária, colonialismo, neocolonialismo e imperialismo.

Em sua terceira dimensão, o direito à diversidade existencial é a norma jusfundamental de enfrentamento das facetas necropolítica e necro-eco-política do projeto colonial. Nessa terceira dimensão, o direito à diversidade existencial corresponde ao direito da humanidade e do orbe terrestre à emancipação da moldura da colonialidade, em prol da totalidade (a) dos seres humanos, notadamente daqueles relegados à condição de sub-humanos e sub-humanidades, (b) dos seres não humanos, (c) da biosfera e (d) do mundo natural. Nessa terceira perspectiva, a mais ampla de todas, o direito à diversidade existencial compreende o direito à emancipação da matriz colonial de todos os elementos constitutivos, de modo direto e indireto, da existência planetária, ainda que inanimados. Em suma, o direito à diversidade existencial, nessa terceira acepção, reverbera, na ordem jurídica, o direito à emancipação da matriz da colonialidade de toda (a) a humanidade, (b) a vida planetária e (c) o mundo natural. O rol de destinatários do direito à diversidade existencial, nessa terceira configuração, abarca, portanto, não só os componentes da biodiversidade global, inclusive os seres sencientes, os ecossistemas, o acervo genético da humanidade e da natureza, a fauna, a flora, os microrganismos, o ar, os rios, os mares e os oceanos, como também os demais elementos da diversidade do mundo natural, abrangendo a proteção e defesa da integridade e integralidade da diversidade planetária, em sua plenitude, a incluir, pois, a proteção e defesa da incolumidade da diversidade dos elementos geológicos e minerais do orbe terrestre, tais quais as rochas, o solo e os cristais.”

Como citar: FROTA, Hidemberg Alves da. As dimensões do direito à diversidade existencial: leituras decoloniais e fenomenológico-existenciais. O Direito, Lisboa, v. 156, n. 4, p. 729-747, dez. 2024.

Leia o inteiro teor do artigo acadêmico (acima citado) sobre o direito à diversidade existencial aqui.

Capa da Revista O Direito, Ano 156º, 2024, IV, em que consta o artigo sobre as dimensões do direito à diversidade existencial acima citado